JESUS E A VERDADE
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Na Vigésima oitava semana do Tempo comum do Evangelho de
Marcos, um Jovem se aproximou de Jesus e perguntou: Bom Mestre, o que devo
fazer para ganhar a vida eterna? (Mc 10,17).
Uma pergunta que ecoou pelos séculos. Todos nos aproximamos
de Jesus com ela. Seguimos pelo mundo sustentados por esta única esperança, de
um dia sermos acolhidos na eternidade.
Entretanto, entre o desejo e a concretização do desejo
residem muitas coisas.
É possível iludir-se com uma vida perfeita, e nada é mais
danoso e prejudicial para a dinâmica do Evangelho e do Reino que esta extasia
de si mesmo. A autocontemplação é sempre fruto de um egoísmo arraigado no
recôndito mais sombrio da alma.
Ao ser perguntado por Jesus o que já havia feito para
alcançar a vida eterna, o jovem respondeu o que sabia, pois seguia os
mandamentos desde a sua juventude.
Estes mandamentos, com os quais havia se acostumado, e em
certo sentido lhe eram relativamente fáceis de serem observados, porque era
rico, nunca haviam lhe questionado a partir de dentro.
O seu aproximar-se de Jesus não foi sincero. Ele esperava
ter a sua conduta validada e voltar para casa feliz! Esperava ser elogiado, mas
se decepcionou quando Jesus lhe disse que não era suficiente apenas viver os
mandamentos, era preciso mais.
Jesus não transige quanto aos princípios. Ele mesmo já
havia dito aquilo que foi o maior escândalo para os judeus ao afirmar:
“ouvistes o que está escrito, mas eu vos digo” (Mt 5).
O que estava escrito era uma referência direta a Moisés e as
leis. Um famoso rabino estadunidense, Jacob Neusner, falecido em 2016, em seu
livro, Um Rabino conversa com Jesus, expõe a essa fissura
recorrente entre o judaísmo e o cristianismo.
Em seu diálogo imaginário com Jesus, Neusner concorda com
quase tudo que o Mestre lhe diz. Concorda com os ensinamentos sobre o amor ao
próximo e evolui num diálogo bastante promissor, envolvendo inclusive o modo
cristão de rezar e a veneração à Virgem Maria.
Neusner, contudo, reconhece que têm um ponto de inflexão
quando Jesus afirma, “ouvistes o que está escrito, mas eu vos digo”! A
este ponto, o Rabino, melancolicamente, despede-se de Jesus, desejando-lhe boa
sorte e afirmando que Jesus não era maior que Moisés. Exatamente aqui reside o
mistério do discipulado que, tanto aquele Jovem, quanto Neusner, não foram
capazes de colher, e é o principal para nós: Jesus é maior que Moisés. Ele
nunca escondeu isso, e nós nunca duvidamos.
Há muitas implicações práticas sobre a afirmação de Jesus,
pois não se trata somente de uma disputa figurativa semelhante àqueles que
discutiam pelo caminho para saber quem era o maior. É bem mais que isso! É o
desvelar teológico de uma esperança há muito sucumbida no coração de Israel, e
que pode sucumbir também no nosso.
Assim, poderíamos enumerar que a lei, os profetas, o culto,
os sacrifícios, fizeram parte da esperança do Povo de Deus, mas Jesus não
pertence a nenhum deles. Jesus é aquele que de quem os profetas falaram, é o
sacrifício perfeito para a nossa salvação e é a Lei vivente.
Ele tem autoridade sobre tudo e todos. Se Ele diz que a lei
não vale mais, então ela não vale. Se Ele diz que a riqueza não é mais sinal
das graças de Deus, então elas não é. Se Ele diz que não é pela força,
violência e esperteza que se entra no Reino, então é assim mesmo.
O jovem desiludido não estava disposto e não podia
compreender a seriedade do discipulado, por isso deu meia volta e foi
embora.
Com Jesus não podemos mais olhar para o futuro. Ele é o
futuro! Nele a história se firmou e se consumou. É isso que muitos teimam em
contestar. Ao olhar novamente para lei ou para os sacrifícios humanos como
busca de uma graça que Cristo já nos conquistou, comete-se um reducionismo no
cerne da própria fé, como já alertou São Paulo: Depois de terem sido libertados
pela Graça, desejais novamente voltar a escravidão?
Para concluir, e encontrar uma saída plausível para ser e
fazer discípulo neste tempo, vale o raciocínio de Dostoievsky, em seu livro os
Demônios, quando afirma: “Se alguém me provasse que Cristo está fora da
verdade, e se realmente ficasse estabelecido que a verdade está fora de Cristo,
eu preferiria Cristo à verdade”. Assim somos nós, pois ou Cristo é a verdade ou
a verdade não existe.