"O Catecismo da Igreja Católica afirma que nas “últimas
palavras da cruz que orar e entregar-se são um só e mesmo ato” (CIgC,2605).
Sugere que não existe verdadeira oração sem entrega oblativa e que na entrega
de nosso ser, realizamos um ato verdadeiro de oração."
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Na mensagem
aos membros da Família dos Cartuxos, o Papa Francisco recordava que
São Bruno, "consciente de que a caminhada pelas longas
estradas da santidade não se concebe sem a obediência à Igreja, mostra-nos
também que o verdadeiro caminho no seguimento de Cristo exige o entregar-se nas
suas mãos, manifestando no abandono de si um acréscimo de amor". E
"no coração do deserto, lugar de prova e de purificação da fé, o Pai
conduz os homens por um caminho de despojamento que se opõe a qualquer lógica
do possuir, do sucesso e da felicidade ilusória."
Nos aproximamos da abertura do Jubileu
2025, "um tempo no qual se experimenta que a santidade de Deus nos
transforma". Ao Povo de Deus foi pedido preparar o evento jubilar com a
oração. Para ajudá-lo nesse sentido, foram elaborados alguns cadernos, dentre
os quais "Apontamentos sobre a Oração", de autoria dos monges
cartuxos - que levam uma "vida escondida com Cristo, como a Cruz
silenciosa plantada no coração da humanidade redimida".
No texto, os cartuxos falam do "Canto Novo", tema
que inspirou a reflexão desta semana do padre Gerson Schmidt*, intitulada
"Da cítara da Cruz brota um canto novo":
"O Dicastério para a Evangelização oferece diversos
Cadernos sobre a Oração, preparativa para a celebração do Jubileu 2025. Este
ano de 2024 foi proclamado pelo Papa Francisco como o Ano da oração, vivendo a
preparação do Jubileu da Esperança do ano que vem.
Depois do ano dedicado à reflexão sobre os documentos e ao
estudo dos frutos do Concílio Vaticano II, o Santo Padre anunciou o Ano da
Oração já em 21 de janeiro de 2024, por ocasião do Quinto Domingo da Palavra de
Deus. Já na sua Carta
de 11 de fevereiro de 2022, dirigida ao Pró-Prefeito, a D. Rino
Fisichella, para encarregar o Dicastério para a Evangelização do Jubileu, o
Papa tinha escrito: «Desde já, apraz-me pensar que o ano que precede o evento
jubilar, 2024, possa ser dedicado a uma grande 'sinfonia' de oração. Antes de
mais, para recuperar o desejo de estar na presença do Senhor, de o escutar e de
o adorar». Portanto, no caminho de preparação para o Jubileu, as dioceses são
convidadas a promover a centralidade da oração individual e comunitária.
O Dicastério disponibilizou algumas ferramentas úteis para
entender melhor e redescobrir o valor da oração. Para além das 38 catequeses
sobre a Oração que o próprio Papa Francisco proferiu de 6 de maio de 2020 a 16
de junho de 2021, foi publicada pela Libreria Editrice Vaticana uma
coleção de "Apontamentos
sobre a Oração". Trata-se de 8 volumes destinados a recolocar no
centro a relação profunda com o Senhor, através das múltiplas formas de oração
contempladas na rica tradição católica.
O caderno de número 06 – A Igreja em Oração é
de contribuição e autoria dos Monges Cartuxos que trazem para nós uma riqueza
muito grande. Vamos aprofundar esse caderno em alguns programas. O Papa
Francisco introduz esses cadernos sobre a oração, dizendo assim: “agora é o
momento de preparar o ano de 2024, que será inteiramente dedicado à oração. De
fato, em nosso tempo sentimos, cada vez mais forte, a necessidade de uma
verdadeira espiritualidade, capaz de responder às grandes indagações que surgem
diariamente em nossa vida, provocadas por um cenário mundial não exatamente
tranquilo... ( ). Neste ano, somos convidados a nos tornar mais humildes
e a abrir espaço à oração que brota do Espírito Santo. É ele quem sabe colocar
em nossos corações e em nossos lábios as palavras certas para sermos ouvidos
pelo Pai. A oração no Espírito Santo é a que nos une a Jesus e nos permite
aderir à vontade do Pai. O Espírito Santo é o Mestre interior que indica o
caminho a seguir; graças a Ele, a oração de uma só pessoa pode se tonar oração
de toda a Igreja e vice-versa”.
Os monges cartuxos falam do “Canto Novo” que Jesus cantou
durante toda a sua vida, mas o entoou de maneira perfeita e plena quando,
fazendo-se acompanhar pela cítara da cruz, disse: “Pai, em tuas mãos eu entrego
o meu Espírito”. O Catecismo qualifica esse grito e canto de Jesus,
dizendo que “todas as misérias da humanidade de todos os tempos, escrava do
pecado e da morte, todos os pedidos e intercessões da história da salvação
estão recolhidos neste grito do Verbo encarnado” (CIgC,2606). Os cartuxos, em
seu rico subsídio sobre a oração, referendam o autor Francois-Xavier Durrwell,
que afirma: “Quando chega a hora de passar deste mundo para o Pai, Jesus, com
todo o seu ser, torna-se Ele mesmo oração, Ele, o filho é todo voltado para
Deus. Páscoa de morte e ressurreição é o mistério de Jesus transformado em
oração”[1].
O Catecismo da Igreja Católica afirma que nas “últimas palavras da cruz que
orar e entregar-se são um só e mesmo ato” (CIgC,2605). Sugere que não existe
verdadeira oração sem entrega oblativa e que na entrega de nosso ser,
realizamos um ato verdadeiro de oração.
O mesmo autor mencionado, em outro de seu livro “El
Espíritu Santo em la Iglesia”, aprofunda ainda mais essa entrega de
Cristo transformada em oração oblativa: “o Mistério da Cruz gloriosa é o
mistério trinitário tornado interior ao mundo. Só na morte gloriosa de Jesus e,
em nenhum outro lugar, o Espírito esteve tão presente no mundo; nunca antes o
Espírito fora dado da maneira como se derramou na morte gloriosa: ‘Ainda não
havia o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado’(Jo 7,39)”.
Os monges escrevem: “O lado transpassado do Corpo Pascal de
Jesus, de seu corpo crucificado e ressuscitado, do qual ‘imediatamente’ brotam
‘sangue e água’, é a única Fonte do Espírito. E o espírito é aquele que nos
ensina a orar, porque ‘Deus enviou aos nossos corações seu filho que
clama Abbá Pai’ e Ele intercede em nosso favor com gemidos
inexprimíveis, suprindo nossa incapacidade de orar como convém (Rm 8,26)”[2].
A experiência diária que fazemos de nossa fraqueza que nunca termina nos dispõe
a viver em total dependência da misericórdia do Pai, a receber tudo,
literalmente tudo, dele. “Como o Filho, o cordeiro imolado e ressuscitado,
também nós carregamos eternamente as nossas feridas, sinais da nossa fraqueza e
da nossa morte. Mas, sobretudo, sinais da nossa ressurreição. Porque, como foi
para Ele, assim também para nós, por meio das nossas feridas que a Glória do
Pai pode ser derramada em nossa carne e em nossa vida”. É como dizia Paulo VI:
O amor até a doação da vida, até o fim (Jo 13,1) é o “cântico novo” que o noivo
ensina à sua noiva. É o cântico que Cristo doou à sua Igreja.
Cada um de nós está destinado não apenas a ser uma “pessoa
de oração”, mas a “tornarmo-nos oração”, como se disse de São Francisco, que
“não era tanto um homem que ora, mas sim todo ele transformado em oração viva”[3]."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Monges
Cartuxos – A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 34.
[2] Idem,
35.
[3] CELANO,
Tomás de. Vita seconda, LXI, 95. In: Monges Cartuxos – A
Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 23.