Constatação é de um novo estudo, feito por pesquisadores
do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK), que
analisaram os processos essenciais para a manutenção do equilíbrio ambiental na
Terra.
Por Roberto Peixoto, g1
19/10/2024 05h00 Atualizado há 10 horas
O mundo pode ter ultrapassado sete de nove limites
planetários que podem desencadear catástrofes ambientais irreversíveis. E
o aquecimento global tem grande responsabilidade nisso, alertaram cientistas.
Ou seja, se não controlarmos o aumento global da
temperatura, eventos como o colapso de ecossistemas e desastres climáticos
extremos se tornarão cada vez mais frequentes (entenda mais abaixo).
A constatação é de um novo estudo, feito por pesquisadores
do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK),
que analisaram os processos essenciais para a manutenção do equilíbrio
ambiental na Terra.
No estudo, foram identificados sete processos que já
ultrapassaram níveis considerados seguros ou estão próximos de ultrapassar,
relacionados aos seguintes tópicos:
- Mudanças
no uso da terra do planeta: tem a ver com o desmatamento e a
conversão de ecossistemas naturais em áreas agrícolas ou urbanas, que
estão destruindo habitats e afetando a regulação climática. Seus níveis
seguros já foram ULTRAPASSADOS e atingiram uma zona
de ALTO risco. 🔴
- Mudanças
climáticas: algo diretamente ligado ao aumento da temperatura
devido à poluição por gases do efeito estufa, que têm consequências graves
para o planeta. Seus níveis seguros já foram ULTRAPASSADOS e
atingiram uma zona de ALTO risco. 🔴
- Biodiversidade: tem
relação com a extinção de várias espécies, causada pela degradação dos
habitats naturais e pela exploração excessiva dos recursos. Seus níveis
seguros já foram ULTRAPASSADOS e atingiram uma zona
de ALTO risco. 🔴
- Ciclo
do nitrogênio e fósforo: está relacionado ao uso excessivo de
fertilizantes, que prejudica a qualidade da água e afeta os ecossistemas
aquáticos. Seus níveis seguros já foram ULTRAPASSADOS e
atingiram uma zona de ALTO risco. 🔴
- Uso
de água doce: tem a ver com a demanda crescente por água em
várias regiões, que está se aproximando de níveis críticos. Seus níveis
seguros já foram ULTRAPASSADOS. 🟠
- Poluição
química por compostos como microplásticos: diz respeito ao
acúmulo de produtos químicos tóxicos no ambiente, que representa uma
ameaça crescente à saúde humana e à biodiversidade. Seus níveis seguros já
foram ULTRAPASSADOS. 🟠
- Acidificação
dos oceanos: tem a ver com o aumento de CO₂ na atmosfera, que
torna os oceanos mais ácidos, prejudicando a vida marinha e os recifes de
corais. Seus níveis seguros ainda não foram ultrapassados, mas estão muito
próximos. 🟢
Já os dois processos que ainda NÃO estão
próximos de serem ultrapassados são os seguintes:
- Aerossóis
na atmosfera: ou seja, o aumento de partículas suspensas no ar
(como fuligem e poeira), que vem alterando os padrões climáticos regionais
e afetando a saúde humana. 🟢
- Camada
de ozônio: a degradação dessa região da estratosfera já estava em
andamento, mas ações internacionais ajudaram a protegê-la. 🟢
Esses limites planetários foram propostos em 2009 por Johan
Rockström, que é o diretor do PIK. Desde então, pesquisadores têm trabalhado
para identificar e quantificar esses
processos, numa forma de chamar atenção para o a emergência climática.
"A avaliação geral é que o paciente, o Planeta Terra,
está em estado crítico. Seis dos nove 'Limites Planetários' foram
ultrapassados, e sete processos apresentam tendência de aumento da pressão. Em
breve, a maioria dos parâmetros da 'Verificação da Saúde Planetária' estará na
zona de alto risco", diz Rockström.
Abaixo, entenda ponto a ponto por que a preocupação com
esses 7 sistemas:
1. Mudanças no uso da terra 🔴
A transformação de paisagens naturais é um processo que
acontece principalmente através do desmatamento e da urbanização,
e que tem um efeito profundo nas funções ecológicas essenciais para a saúde do
nosso planeta.
No estudo, os pesquisadores ressaltam que essas mudanças não
apenas diminuem as áreas verdes, mas também comprometem funções vitais
que mantêm o equilíbrio ecológico.
Para exemplificar, atualmente, a cobertura florestal global
está em torno de 59% do que poderia ser, indicando que estamos
abaixo dos níveis considerados seguros, segundo dados do observatório europeu
Copernicus.
Em termos práticos, uma cobertura florestal segura é
definida perto de 75% da extensão original, sendo que 85% é a
taxa ideal para florestas tropicais (como a Amazônia) e boreais, enquanto
florestas temperadas precisam de pelo menos 50%.
Entre 2000 e 2018, quase 90% da desflorestação direta se
deveu à expansão de terras agrícolas, com 52,3% dessa perda relacionada ao
cultivo de alimentos e 37,5% à criação de gado.
2. Mudanças climáticas 🔴
Esse limite da mudança climática refere-se ao processo que
altera o equilíbrio energético da Terra: o acúmulo de gases de efeito
estufa na atmosfera, o que afeta tanto as temperaturas globais quanto
os padrões climáticos.
E em 2024, a quantidade de CO2 da atmosfera está em torno
de 422 ppm, bem acima do limite de 350 ppm estabelicido pelo
estudo, que leva em conta as metas do Acordo de Paris (veja gráfico
abaixo).
Já a chamada força do aquecimento causado pela atividade
humana no topo da atmosfera vem superando 2,79 W/m², valor que
também já está muito acima do que é considerado seguro para o clima do nosso
planeta.
Esse último conceito inclui todas as atividades humanas que
afetam o equilíbrio energético da Terra, não se limitando apenas às emissões de
CO₂. Outras emissões de gases de efeito estufa, como metano e óxido
nitroso, além de aerossóis e mudanças no uso da terra, também estão incluídas
na conta.
O limite planetário para essa força foi estabelecido
em +1,0 W/m² (em relação aos níveis pré-industriais). Com o
seu aumento, mais energia é retida no planeta, elevando as temperaturas na
atmosfera, nos oceanos e na terra. Com isso, os impactos do aquecimento
resultam em eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais, inundações,
ondas de calor e secas.
"Os dados mostram que o planeta está sob enorme pressão. Se não tomarmos medidas imediatas, estaremos acelerando ainda mais a crise climática e a perda de biodiversidade", diz Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú, que fez parte de um conselho ligado ao estudo dos limites planetários contribuindo diretamente para o relatório "Planetary Health Check".
3. Biodiversidade 🔴
O termo técnico que os cientistas utilizaram para isso é a
chamada "mudança na integridade da biosfera", ou seja, as
alterações na saúde e no funcionamento dos ecossistemas do planeta.
Em um relatório que foi publicado em setembro, eles indicam
que a maioria das violações desses limites acontece em regiões onde a terra é
utilizada intensivamente, como em zonas agrícolas.
Em contraste, áreas como a Amazônia e a Bacia do
Congo, que permanecem naturais ou seminaturais, não apresentam essas
violações de forma tão clara, ainda segundo o estudo.
Quanto à diversidade genética, ou seja, a diversidade de
variações genéticas entre os indivíduos de uma mesma espécie, as taxas de
extinção são preocupantes. O relatório aponta que pelo menos 73 grupos
de vertebrados desapareceram nos últimos 500 anos.
4. Ciclo do nitrogênio e fósforo 🔴
Essas são mudanças que podem resultar em zonas mortas em
ambientes de água doce e no mar. Os chamados
fluxos biogeoquímicos movimentam elementos essenciais para a vida, como
nitrogênio e fósforo, que circulam pelo meio ambiente.
Em 2024, porém, dados mostram que os fluxos de fósforo para
os oceanos chegaram a 22,6 Tg P por ano, enquanto a fixação de
nitrogênio feita pela indústria está em torno de 190 Tg N por
ano, números que ultrapassaram limites considerados seguros para esses ciclos
de nutrientes.
O limite planetário para o fluxo de fósforo foi estabelecido
no estudo em 11 Tg P por ano, para evitar a eutrofização
generalizada (crescimento descontrolado de algas) e a redução de oxigênio nos
ambientes aquáticos. Já o nitrogênio teve um limite definido de 62 Tg
N anualmente.
Tivemos o mês de agosto mais quente do registro
instrumental, mas sabemos também que estamos vivendo o período mais quente em
cerca de 125 mil anos por causa do aquecimento global antropogênico. Com isso,
estamos alterando os padrões do sistema climático e entre as consequências
temos aumento de frequência e intensidade de eventos extremos.
— Karina Lima, climatologista e divulgadora científica.
5. Uso de água doce 🟠
Os dados mais recentes também mostram que as atividades
humanas estão causando sérios problemas nos fluxos de água de rios, lagos e reservatórios como
lençóis freáticos. Esses problemas também já ultrapassaram os limites seguros
estabelecidos no estudo.
Segundo o PIK, cerca de 18% da superfície da Terra está
passando por mudanças significativas na água desses corpos, e cerca de 16% está
enfrentando níveis de umidade no solo que não são considerados adequados.
"Ultrapassar os limites da mudança de água doce tem
impactos significativos no funcionamento do sistema terrestre e nas sociedades
humanas. A interrupção do ciclo da água ameaça a sobrevivência de ecossistemas
inteiros, como a Amazônia, comprometendo a integridade da biosfera e os
serviços ecossistêmicos", diz um trecho do estudo.
6. Poluição química por compostos como microplásticos 🟠
Esse processo diz respeito ao aumento da circulação de
substâncias químicas sintéticas, como microplásticos e materiais radioativos.
Entre 2000 e 2017, a produção de produtos químicos do tipo
vem aumentando continuamente, ainda segundo dados do estudo.
E essas substâncias contribuem não só para a poluição, como
também para o acúmulo biológico e a resistência a antibióticos, além de
causarem problemas de saúde, como o câncer.
Um estudo recente inclusive encontrou microplásticos no
cérebro humano. Segundo a pesquisa brasileira, essa é a primeira vez que o
resíduo é encontrado no órgão e, segundo os especialistas, um
sinal de alerta máximo para o risco do uso de plástico na rotina humana.
7. Acidificação dos oceanos 🟢
A acidificação dos oceanos é um fenômeno que se refere ao
aumento da acidez das águas do mar, causado pela absorção de CO2 presente
na atmosfera. Isso tem impactos diretos nos organismos marinhos que formam
estruturas calcárias, como corais e moluscos, e, consequentemente, afeta todo o
ecossistema marinho.
Segundo dados de 2024, o nível de saturação em aragonita
global, uma taxa que mede a acidez das águas, está em 2,80. Esse valor se
encontra dentro da margem segura para o fenômeno (2,75), mas é bastante próximo
do limite.
E superar o limite da acidificação dos oceanos traz
consequências sérias para o planeta. Por exemplo, os corais enfrentariam
dificuldades na construção de seus esqueletos, algo que compromete a estrutura
de recifes. Além disso, moluscos e outros organismos com conchas teriam
dificuldades para formar suas estruturas, algo que afetaria sua sobrevivência e
crescimento.
O problema é que isso também já uma realidade para algumas
espécies, como os pterópodes de altas latitudes, moluscos que
apresentam danos em suas conchas por causa da acidificação dos oceanos.
Um estudo de 2020 inclusive, publicado pela Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral (GCRMN), revelou que o mundo perdeu cerca de 14% de seus recifes de coral desde 2009. Este relatório, pioneiro em sua categoria, baseou-se em dados coletados em mais de 12.000 locais de coleta em 73 países ao longo de um período de mais de 40 anos (1978-2019).