"Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o
Filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia"
(Jo 6,37-40).
Vatican News
No século II, há indícios de que os cristãos rezavam e
celebravam a Eucaristia pelos seus defuntos. No início, eram recordados no
terceiro dia do enterro e, depois, no aniversário de morte. A seguir, no 7º e
30º dia. Tudo começou, porém, no ano 998, quando o Abade Odilo, de
Cluny (994-1048), exigiu que o então chamado “Dia de todas as almas”,
hoje Dia de Finados, fosse celebrado em 2 de novembro, em todos os mosteiros
sob a sua jurisdição. Em 1915, Bento XV concedeu a faculdade a todos os
sacerdotes de celebrar várias Missas neste dia, desde que a intenção fosse
feita apenas em uma Missa. Hoje, a liturgia propõe várias Missas, nesta data, a
fim de ressaltar o mistério pascal, a vitória de Jesus sobre o pecado e a
morte.
Texto (extraído da primeira Missa):
«Todo aquele que o Pai me dá virá a mim, e o que vem a
mim não o lançarei fora. Pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas
a vontade daquele que me enviou. Ora, esta é a vontade daquele que me enviou:
que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os ressuscite no
último dia. Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele
crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia» (Jo
6,37-40).
A vontade de Deus
A mensagem revolucionária é que “todo aquele que vê o
Filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei...”. Sabemos,
por experiência, que o corpo se decompõe: mas o corpo não representa todo o
homem! O homem, como pessoa, é parceiro do diálogo com Deus, que não o deixa
cair, não o esquece, porque Deus é fiel às suas promessas. Deus escreveu cada
um de nós na palma da sua mão e não se esquecido de ninguém, porque Ele é o
Pai. Eis o ponto central da mensagem que Jesus nos deixou. Por esta verdade,
Jesus fez-se homem, morreu na cruz e ressuscitou, para fazer-nos partícipes da
alegria da ressurreição: "Dai-lhes, Senhor, e a todos os que descansam em
Cristo, a beatitude, a luz e a paz", rezamos no cânone I da Missa, no
momento de recordar os fiéis defuntos.
Deixar-se surpreender
É claro que sobreviveremos, disse Jesus! Porém, como isso
acontecerá não sabemos, podemos apenas intuir, mediante a escuta da Palavra
evangélica. No entanto, permanece a esperança de poder-nos surpreender com a
bondade de Deus, com a sua misericórdia. Temos os nossos parâmetros, para medir
os acontecimentos da vida, mas devemos deixar a Deus os seus parâmetros, que
não são os nossos: será precisamente este que nos surpreenderá, quando
cruzarmos a Porta do Paraíso.
Um passo a mais
Morrer não é desaparecer, mas viver de modo novo. É saber
que, os que nos precederam, deram um "passo a mais" no caminho da
vida; atingiram o cume, enquanto nós ainda estamos percorrendo as sendas da
vida; ultrapassaram a curva da vida, enquanto ainda estamos ao longo do
retilíneo. Por isso, a morte não é o fim de tudo, mas o início de uma vida
nova, para a qual nos encaminhamos e nos preparamos desde o início.
Logo, a Comemoração dos Fiéis Defuntos não é apenas uma
“recordação” dos que não estão mais presentes entre nós, fisicamente, mas uma
ponte, que nos aguarda no fim da vida, que nos conduzirá à outra margem, à qual
todos nós somos destinados; é um meio para não nos deixarmos afogar por tantas
mágoas, esquecendo que tudo passa, mas Deus permanece.
Irmã morte
São Francisco de Assis, após ter-se reconciliado com Deus,
consigo mesmo e com a criação, no final da sua vida conseguiu reconciliar-se
até com a morte, tanto que passou a chamá-la "irmã", sinal que,
também para ele, se tratava de um mistério a ser compreendido e aceito. Ao
contrário da sociedade de hoje, que tenta, com todos os meios, ocultar a
realidade da morte, iludindo-se ser eterna, São Francisco nos ensina a
encará-la, compreendê-la, a considerá-la uma "irmã", uma parte de nós.
No fundo, é um acontecimento real e existente: é um ato de honestidade
intelectual, antes de ser espiritual. O medo, diante da “irmã morte”,
certamente, é ditado pela ignorância, por não saber o que está além da “porta”.
Por isso, suscita certo desconforto. Depois, é inútil esconder que tememos o
“peso” das nossas ações, pois, no final das contas, todos acreditam, em seus
corações e, no fim da vida, nos perguntaremos como vivemos. Esta experiência
leva-nos a rezar pelos que nos precederam, quase querendo ajudá-los e protegê-los,
ao invés de pedir sua ajuda e proteção.
Uma coisa é certa: vemos a morte à luz da ressurreição de
Jesus. Eis a nossa força e serenidade. Ele nos abriu o Caminho que conduz, com
A Verdade, à Vida. O próprio Jesus recordou-nos que somos feitos para a
eternidade: mil anos para nós são como um sopro diante de Deus; este tempo tão
curto e passageiro da vida, não tem sentido se não for projetado para uma
experiência mais verdadeira, como o próprio Jesus disse: “Quem vê o Filho e
nele crê terá a vida eterna”.
Enfim, uma última coisa: Jesus fez-se o homem para nos
ajudar a viver "por Deus"; ele morreu, foi sepultado e desceu ao
ínfero para que ninguém se sentisse excluído da sua ação salvadora. Para que eu
não tenha medo e não me sinta só e abandonado, à mercê dos meus temores, Jesus
quis "viver" todos os lugares, até nos mais baixos, para me fazer
“companhia" naquele momento. Não há “espaço”, na vida e na morte, que ele
não tenha visitado. Isso me dá a certeza de que ele vai me receber, de braços
abertos, em qualquer situação em que me “encontrar”: tanto hoje, no pecado,
quanto amanhã, na morte, Ele sempre estará ao meu lado. Porque Ele venceu o
pecado e a morte e me preparou um lugar na Casa do Pai. Isto me é suficiente
para percorrer o caminho da vida, com confiança e esperança: "Mesmo se
eu tivesse que caminhar em um vale escuro" (Sl 23), Ele estará
sempre comigo!