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terça-feira, 19 de novembro de 2024

O G20 à luz dos ensinamentos do Papa Francisco

Cristo Redentor - Rio de Janeiro (Vatican News)

Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo.

Padre Dr. Marcus V. Brito de Macedo - Doutor em Relações Internacionais e Comunicação Social/Professor da PUC-RJ

Anualmente, as vinte maiores economias mundiais reúnem-se em um país-sede com um propósito em vista: ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a estabilidade econômica. Assim pode ser definido o encontro do G20, que acontece no Rio de Janeiro, a meados de novembro.

Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo, e ajudarão no enfrentamento a crises globais, como mudanças climáticas e desigualdades sociais – o que demonstra uma constante atualização a respeito da missão da entidade, que hoje alarga seu horizonte de atuação para além do campo econômico.

No epicentro desse movimento internacional entre nações, o Brasil assumiu a presidência rotativa da cúpula e sedia o encontro, que tem como principais temas o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global. Mas não somente coordena as negociações e acordos entre líderes ao longo de seu mandato. Nosso país propôs iniciativas como o G20 Social, que buscou engajar a sociedade civil globalmente, promovendo debates e ações concretas. As reuniões incluíram jovens, mulheres, cientistas e outros setores da sociedade, reforçando a ideia de inclusão e participação popular como legado do evento.

Foi justamente em um evento do G20 Social que o Brasil propôs a Aliança Global contra a fome, tema caro aos governantes nacionais, frequentemente preocupados com o país ocupando sua cadeira cativa no mapa da fome ao longo de décadas.

É importante notar que em 2013, seu primeiro ano de pontificado, Papa Francisco, em mensagem a Vladimir Putin, presidente da Rússia, que naquele ano sediava o evento, dirigia uma firme mensagem: “o contexto atual, altamente interdependente, exige uma moldura financeira mundial, com regras justas, para conseguir um mundo mais equitativo e solidário, no qual seja possível eliminar a fome…”.

Há uma espécie de simbiose entre o pensamento do Papa e os temas centrais debatidos no solo da terra de Santa Cruz. O Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, afirmou que “são as palavras de Francisco que inspiram e animam a atividade diplomática da Santa Sé”. Dom Gallagher ressaltou ainda que é “por meio de exortações e orações, encontros e encíclicas e, acima de tudo, por meio de suas viagens a todos os cantos do globo que o Papa exerce incansavelmente sua autoridade moral, confronta situações de injustiça, estende a mão a pessoas abandonadas, adverte contra práticas nocivas que põem em risco nosso mundo e nosso futuro”. 

A partir da Encíclica Laudato Si, de 2015, o Santo Padre lançou “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta”, evitando a perigosa cultura do descarte - expressão original criada pelo sucessor de São Pedro para tratar de longevos problemas. Segundo o Pontífice, “custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os”.

Ao longo do documento, Papa Francisco mostrou-se preocupado em evidenciar o pensamento de seus predecessores, fazendo especial menção ao pensamento de São Paulo VI, quando este sublinha “a necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade”, uma vez que “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.

Em consonância com os temas propostos pelo G20, a Encíclica adverte que a destruição ambiental afeta particularmente os mais pobres e marginalizados, que possuem menos recursos para enfrentar catástrofes ambientais. O Papa exorta as nações a assumirem a responsabilidade coletiva pelo cuidado com a “casa comum”, enfatizando a urgência de uma transição para fontes de energia renováveis e políticas de desenvolvimento sustentável. Na atual cúpula do G20, a transição energética e a adaptação climática estão no centro das discussões, com os líderes debatendo maneiras de apoiar uma transição que seja justa e acessível para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.

No ano de 2020, o Sumo Pontífice, através da Encíclica Fratelli Tutti, apontou outra grave questão potencial a respeito do esgotamento dos recursos naturais: “Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, ‘é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações’ ”.

Assim, a mensagem de paz e unidade do Papa, tão difundida em seus discursos e através de suas ações concretas, ganha relevância especial no contexto atual, onde as tensões políticas e econômicas globais, assim como conflitos armados, têm trazido impactos negativos para milhões de pessoas. O Santo Padre tem insistido na necessidade de resolver conflitos por meio do diálogo e de uma diplomacia paciente, lembrando que a paz é uma construção coletiva que exige o esforço e a colaboração de todas as nações. Esse apelo encontra respaldo no G20, que se esforça para ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a paz, a estabilidade econômica e uma recuperação pós-pandemia que seja justa e inclusiva.

Sob a liderança brasileira, o fórum abre mais uma janela de oportunidade: a de implementar políticas que combatam a pobreza extrema e incentivem parcerias entre nações em desenvolvimento, alinhando-se à perspectiva papal de justiça global. Afinal, para Francisco, “enquanto não se resolver radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo”. A presidência brasileira no G20 pode canalizar essa mensagem para promover a inclusão de países marginalizados no processo de tomada de decisões globais.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Missa celebrativa do VIII Dia Mundial dos Pobres em Brasília

Missa celebrativa do 8º Dia Mundial dos Pobres em Brasília (arqbrasilia)

Mais de 500 pessoas participam da Caravana Partilha Brasília em celebração ao VIII Dia Mundial dos Pobres

Neste sábado (16/11), a Arquidiocese de Brasília promoveu um grande evento na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, que contou com o apoio de diversos parceiros, para celebrar o VIII Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.

  • novembro 16, 2024

Através do Programa Arquidiocesano Partilha Brasília, a Arquidiocese promoveu uma manhã com diversas atividades na área externa da Catedral Metropolitana, com o objetivo de acolher e atender diversas pessoas em situação de vulnerabilidade social de várias regiões administrativas do Distrito Federal, como Ceilândia, Estrutural, Santa Maria, Samambaia, entre outras.

Com o tema “A oração do pobre eleva-se até Deus”, o evento reuniu mais de 500 pessoas, destacando a necessidade da união entre os fiéis a fim de sensibilizar a sociedade sobre a importância de olhar para aqueles que mais precisam de auxílio, oferecendo apoio e solidariedade. Após o café da manhã, a Celebração Eucarística, presidida pelo Cardeal Arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa, e concelebrada por Dom Antonio de Marcos, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília e referencial para as Obras Sociais, e por alguns sacerdotes da Arquidiocese, reuniu o povo de Deus em um momento de Ação de Graças pelo dom de celebrar a vida.

“Quem reza, percebe os irmãos necessitados que se encontram ao seu lado. As pessoas necessitam do nosso amor. Não existe um verdadeiro seguimento a Jesus Cristo se ignorarmos os pobres. A opção pelos pobres faz parte da fé Cristológica. Olhando para a realidade que está ao nosso redor, encontramos tantas pessoas que precisam de atenção e do nosso amor. Ser dom concreto na vida dos pobres é perguntar a eles: como eu posso te ajudar a viver verdadeiramente de acordo com a dignidade de filho de Deus? Todos nós somos filhos de Deus. Esse Dia Mundial dos Pobres nos faz recordar que somos necessitados. De uma forma ou de outra, todos somos pobres. O pobre não é apenas aquele que não tem bens materiais, mas todos que trazem em si indigências. Todos nós trazemos essa condição de sermos seres necessitados. Então, que celebremos esse dia que é profecia para nós. Que nos lembremos de que existem tantos irmãos e irmãs necessitados e que o nosso dever é ir ao encontro deles buscando ser dom de amor”, frisou Dom Paulo durante a homilia.

Ao longo da manhã foram oferecidos atendimentos médicos e odontológicos, serviços de beleza, brinquedoteca para as crianças, refeições e palestras. “O Papa Francisco pede para sensibilizarmos todas as nossas comunidades sobre a presença do pobre no meio de nós. Vivemos em uma sociedade cada vez mais indiferente à situação do próximo, do outro. Muitas vezes, passamos perto e não os enxergamos. O pobre se torna invisível diante de nós. Então, é importante essa data para nos fazer recordar que eles existem, estão presentes e não estão muito longe de nós, pelo contrário, estão muito próximos. Nós precisamos voltar nosso olhar para esses nossos irmãos e irmãs mais necessitados. Nesse Dia Mundial dos Pobres, eu gostaria também de fazer esse apelo para que nós intensifiquemos as nossas orações, para que o nosso olhar possa estar voltado para os nossos irmãos necessitados. Que possamos crescer nessa espiritualidade e que o nosso coração esteja cada vez mais sensível e voltado para eles”, destacou Dom Antonio de Marcos.

Os organizadores do evento relatam que a iniciativa de realizar o evento na Catedral foi planejada para que muitas pessoas que vivem no Distrito Federal pudessem ter a oportunidade de pela primeira vez ingressar na Igreja Mãe de Brasília.

“Esta foi a primeira vez em que muitos participantes da Caravana Partilha Brasília entraram na Catedral Metropolitana. É muito gratificante poder realizar esse evento em que as pessoas verdadeiramente têm um contato mais íntimo com o Senhor. Promover esse evento é sempre uma experiência muito bacana, porque é tudo uma logística de alimentação, de acolhimento, de estrutura, de liturgia, de um bom atendimento para que eles possam se sentir em casa. Então, é um desafio muito bom. Para o ano que vem já temos em nossa agenda marcada mais quatro Caravanas do Partilha Brasília, que serão realizadas em diferentes territórios no Distrito Federal. Esse evento do Dia Mundial dos Pobres já faz parte do calendário da Arquidiocese de Brasília e será, com a graça de Deus, realizado todos os anos”, relatou Caio Valente, Coordenador Arquidiocesano do Programa Partilha Brasília e um dos organizadores do evento.

Sandra Rúbia Guedes conta que mora em Samambaia Norte, há mais de 50 anos, e nunca havia entrado na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida. “Meus netos estão se divertindo muito neste evento. Eu nasci aqui no Distrito Federal, mas nunca tive a oportunidade de entrar na Catedral. Hoje, realizo esse sonho com muita alegria”, disse emocionada.

Há também os participantes da iniciativa arquidiocesana que aguardam a chegada desse encontro com grande expectativa. Moradora do Sol Nascente, Ruana Alves da Cunha participou do encontro pela segunda vez, acompanhada pelos seus seis filhos. “Esse evento é muito bom. No ano passado estava de resguardo, mas não deixei de vir. Meus filhos já acordam cedo querendo aproveitar esse encontro e ficam empolgados. É um momento de muita alegria para toda a nossa família”, afirmou.

Fonte: https://arqbrasilia.com.br/

Papa Francisco almoçou com 1.300 pessoas necessitadas no Dia Mundial dos Pobres

Antoine Mekary | ALETEIA

I.Media - publicado em 17/11/24

Para o Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco encorajou os cristãos a comprometerem-se na luta contra as desigualdades e partilhou o almoço com 1.300 pessoas pobres.

Durante uma missa celebrada na Basílica de São Pedro por ocasião do Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco encorajou fortemente os cristãos a se comprometerem na luta concreta contra as desigualdades, no dia 17 de novembro de 2024. O pontífice, que almoçou às 12h30 com 1.300 pessoas necessitadas também convidaram os que estão no poder a não esquecerem os pobres.

“Vemos crescer ao nosso redor a injustiça que causa o sofrimento dos pobres, mas adotamos a habitual resignação de quem, por conforto ou por preguiça, pensa que 'o mundo é assim' e que 'não há nada que eu possa fazer'. posso fazer.' Podemos fazer algo a respeito”, denunciou o Papa durante a homilia desta missa celebrada por ocasião do VIII Dia Mundial dos Pobres.

Este dia foi lançado pelo pontífice argentino após o Jubileu dos Sem-Abrigo organizado em Roma pela associação francesa Fratello, durante o Ano da Misericórdia (2016). Desde então, o Papa aproveitou esta data para recordar especificamente que a Igreja “torna-se ela mesma” quando se coloca ao serviço dos pobres.

Diante de mais de 5.000 fiéis reunidos na Basílica de São Pedro, entre eles muitas pessoas da rua, o Papa desafiou fortemente os católicos. Não podem reduzir a sua fé a uma “devoção inofensiva que não perturbe os poderes deste mundo e não gere um compromisso concreto de caridade”, insistiu, antes de descrever as “desigualdades” que “aumentam e uma sociedade que está “dedicada à idolatria do dinheiro e do consumo".

“Devo desviar o olhar da pobreza?”

Contra a resignação e o desespero, o Papa exortou os cristãos a identificarem o que podem alcançar todos os dias. Ele apelou à ação “através dos nossos estilos de vida, através da nossa atenção e cuidado pelo ambiente em que vivemos, através da nossa busca tenaz pela justiça, através da partilha dos nossos bens com os mais pobres, através do nosso compromisso social e político para melhorar a realidade que rodeia nós."

Saindo das suas notas, o Papa criticou aqueles que dão uma moeda a um mendigo sem olhar para ele ou tocar-lhe na mão. «Perguntemo-nos hoje: 'Desvio o olhar da pobreza, das necessidades e da dor dos outros?'", convidando todos a fazer um exame de consciência.

Apesar da fome no mundo, “dos horrores da guerra e das mortes inocentes”, o chefe da Igreja Católica alertou contra o afundamento na “angústia” do “drama da história”.

“A esperança cristã que se realiza em Jesus e se realiza no seu Reino precisa de nós e do nosso compromisso, de uma fé ativa na caridade, de cristãos que não viram as costas”, afirmou.

O Papa Francisco concluiu a sua homilia com um apelo geral à mobilização: “Digo-o à Igreja, digo-o aos governos dos Estados e às organizações internacionais, digo-o a todos e cada um: por favor, não esqueçamos o pobre."

Uma refeição na sala Paulo VI com os pobres

O chefe da Igreja Católica almoçará na Sala Paulo VI do Vaticano com 1.300 pobres. Durante este encontro amigável organizado pelo Dicastério para o Serviço da Caridade – e financiado pela Cruz Vermelha Italiana e pelos Padres Vicentinos – todos os convidados do Papa receberão uma mochila contendo alimentos e produtos de higiene pessoal.

Antes deste dia, o dispensário Madre di Misericordia, uma estrutura do Vaticano que ajuda os sem-abrigo que vivem nos arredores da Praça de São Pedro, abriu um serviço gratuito de cuidados médicos, vacinação contra a gripe, exames de sangue, amostras e pensos. Nesta iniciativa participaram médicos voluntários de 18 especialidades.

Além disso, como vem acontecendo há vários anos, o Dicastério para a Evangelização deve pagar as contas de eletricidade e de gás das famílias romanas desfavorecidas.

Veja aqui as imagens da missa e da refeição do Papa Francisco com os pobres:



Fonte: https://es.aleteia.org/2024/11/17/el-papa-francisco-almorzo-con-1300-personas-necesitadas-por-la-jornada-mundial-de-los-pobres

A educação na Igreja antiga e a sua relação com a comunidade eclesial.

A educação na Igreja antiga (CNBB Norte 2)

A EDUCAÇÃO NA IGREJA ANTIGA E A SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE ECLESIAL

nov 13, 2024

por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá

Introdução

Os Padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos, receberam uma educação dentro do sistema educacional grego romano que visava tornar as pessoas cidadãs, membros da vida civil e comunitária. Pela educação eles eram percebidos pessoas livres, capazes de coordenar serviços na sociedade. Essa era uma educação básica, popular que possibilitava o conhecimento das ciências na época. A filosofia delineava valores comunitários e sociais. Eles frequentavam as escolas normais que o Império romano oferecia a todos os povos dominados. Para os Padres da Igreja, a educação recebida também visava o conhecimento de Jesus Cristo, da Igreja, a prática da Palavra de Deus e o engajamento comunitário.

A existência das Academias

As Universidades não existiam na época, mas, sim, as Academias em alguns lugares do Império romano como Atenas, Constantinopla, Alexandria, Antioquia, entre outras cidades, de modo que uma educação bem fundamentada era lhes dada, pois se tratava de um ensino superior, do ponto de vista atual. Os padres foram educados nesse sistema educacional, na retórica, último degrau no estudo, que os impulsionava a não só a bem falar ao público e a ter o domínio no saber, através dos argumentos, mas essa servia para esclarecimento das coisas, na liturgia, na interpretação da Sagrada Escritura para o povo diante das heresias e na necessidade de dar respostas por parte da Igreja diante dos debates teológicos, cristológicos e pneumatológicos. O estudo favoreceu a elaboração de uma ideia e de uma educação para a vida e para o amor. Para os padres da Igreja a retórica visava à verdade das coisas e não simplesmente os discursos nos tribunais, palcos ou nos púlpitos das Igrejas[1]. Se os Padres freqüentavam escolas dos pagãos, com o tempo eles encaminharam a partir da educação, a constituição de escolas próprias em vista da formação sacerdotal, escolas bíblicas e cristológicas nas suas comunidades. No momento em que existe a preocupação, ação da Igreja, dos governos em relação à educação é importante dar uma visão de como os padres dos primeiros séculos encararam a educação e da forma como a viveram em seu tempo na relação comunitária.

Os cristãos

Os seguidores de Jesus, os cristãos freqüentavam as escolas dos pagãos como quaisquer outros alunos. No século II, a Carta a Diogneto afirmou que os cristãos não se distinguiam de outras pessoas nem por terra, ou costumes. Não possuíam uma língua estranha ou algum modo especial de vida, mas vivendo em cidades gregas e bárbaras adaptavam-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e testemunhavam um modo de vida social que era admirável para todos e paradoxal[2].

No mundo grego romano existiam três formas de escolas, na qual os pagãos e os cristãos participavam das mesmas: primeiro, os alunos freqüentavam o “Ludus Literarius”, isto é, o primário, onde os meninos e as meninas entre os sete e os doze anos aprendiam a ler, a escrever e a fazer as primeiras operações de cálculo. Depois vinha a “Gramática”, onde os adolescentes aprendiam as obras e o estilo dos escritores mais famosos, sejam eles gregos, sejam latinos e por fim vinha a “Escola da Retórica” onde os jovens e adultos conseguiam a suma do saber[3].

O aprendizado da filosofia

Nestas escolas, os alunos aprendiam também a filosofia. Alguns autores dos primeiros séculos davam valor à filosofia helênica na sua escola como Justino de Roma e Clemente de Alexandria. Orígenes fez uma leitura da filosofia em chave cristã. Já Tertuliano não via com simpatia a influência da filosofia no cristianismo ainda que ele dependesse de sua teologia da filosofia sobretudo, a estóica[4]. No século IV haverá uma abertura sempre maior à filosofia clássica de uma forma particular, com os padres capadócios. Basílio recomendará a leitura dos autores gregos e latinos com o intuito que eles aprofundassem ainda mais o estudo da Sagrada Escritura. “Quando se apresentam fatos ou palavras de homens excelentes, segui-os com espírito de emulação e fazer o possível para imitá-los”[5].

A juventude cristã

A juventude cristã tinha frequentemente mestres pagãos cujo ensinamento era ligado à mitologia, à racionalidade, às tradições pagãs. Havia casos de mestres cristãos apreçados pelos pagãos e de mestres pagãos que se gloriavam de alunos cristãos. Por exemplo o reitor pagão Libânio tinha relações com Basílio e João Crisóstomo. Proerésio foi mestre de Gregório de Nazianzo e do pagão Eunápio. Mário Vitorino, sendo mestre pagão, se converteu ao cristianismo, ao professar a sua fé em uma forma pública[6].

Autores cristãos, fundadores de escolas

Justino mártir, Ireneu de Lião, Tertuliano foram fundadores de escolas teológicas não ligadas exclusivamente às Sagradas Escrituras. Justino falou que o nome de cristãos possibilitava a perseguição. “Não castigais ninguém que foi acusado diante dos vossos tribunais antes que ele seja réu convicto. Contudo, quando se trata de nós, tomais o nome como prova, sendo que, se for pelo nome, deveríeis antes castigar os nossos acusadores”[7]. O bispo de Lião fundou um centro cultural pela defesa da apostolicidade da Igreja na unidade da sucessão dos apóstolos e a presença do bispo como aquele que garantia a transmissão da verdade revelada. Com Tertuliano falava-se da verdade como o aspecto fundamental na transmissão do cristianismo. Em Alexandria Orígenes imprimiu ensinamentos religiosos relacionados ao mundo transcendente como Deus, mistério trinitário, anjos, almas, em relação ao mundo histórico, criação, encarnação do Verbo, ressurreição e castigo, o mundo humano, o livre arbítrio, a sabedoria, o dom humano de ser imagem de Deus[8].

A visão da educação a partir dos Padres da Igreja

Clemente Alexandrino dizia que a sabedoria divina é grande por tomar conta de seus filhos em diversos modos no cuidado da nossa salvação. O pedagogo, no caso Cristo, testemunha em favor daqueles que cumprem o bem e chama-os nessa prática (do bem), admoestando-os para não se inclinarem aos pecados mas para que possam ter uma vida melhor[9]. Clemente chamou o Verbo encarnado de Pedagogo da humanidade que se serviu das mais diversas manifestações de sua mesma sabedoria para salvar os mais infortunados na vida. Ele também disse que somos alunos necessitados das palavras do Mestre para que dê ânimo aos outros. Assim como os bons não necessitam de médico, mas os doentes (cf. Mc 2,17), assim também nós necessitamos do Salvador. Nós somos doentes nesta vida por desejos não bons provenientes de nossas intemperanças e de todas as outras inflamações de nossas paixões. O Pedagogo nos admoesta com remédios doces e também com remédios amargos. Temos a necessidade do Salvador para que nos guie para superação da cegueira apontando-nos à luz, nós que estamos com sede para a fonte da água viva porque aqueles que beberão da mesma nunca mais terão sede(cf Jo 4,14)[10].

Jesus, o Educador da Humanidade

Clemente Alexandrino reconheceu que sem Jesus, o Educador da humanidade não haveria vida, mas a morte. Como as crianças e os adolescentes precisam de seus educadores, nós temos a necessidade do Mestre, Jesus Cristo para assim não ser privados de uma educação que leve à separação dos grãos com o celeiro que serão recolhidos no Pai[11]. Assim é o nosso Pedagogo: bom e justo. Ele não veio para ser servido, mas para servir a todos(cf. Mt 20,28) e por isso o evangelho mostra-o dando a sua vida por nós. Ele oferece o que há de mais precioso, a sua alma, a sua vida para toda a humanidade(cf. Jo 15,13)[12].

A educação como ensino em família

A educação entendida como ensino deve começar em família. São João Crisóstomo, Bispo e Padre da Igreja nos séculos IV e V teve presentes alguns pontos no sentido que os pais eduquem os seus filhos e filhas com solicitude, admoestando-os no Senhor. A juventude tem necessidade que as pessoas a corrija, a acompanhe, a nutre. Uma consideração é levada em conta: a conservação da castidade. Neste campo a juventude sofre os danos maiores; e para superá-los nisso, há a necessidade de muita atenção e muita luta. Um grande penhor foi dado aos pais, os seus filhos e as filhas. Faça-se o possível para encaminhá-los no bem para que o maligno não os carregue consigo. A preocupação em formar o ânimo dos filhos e das filhas esteja na vida dos pais. Deve-se ter presente a formação das virtudes[13]. Os filhos e as filhas sejam educados e admoestados no Senhor(cf. Ef 6,4). Se os seres humanos são valorizados por esculpir as estátuas dos reis, gozando de muita honra, “Nós que tornamos mais bela imagem real, o homem de fato é imagem de Deus (cf. Gn 1,26) não gozaremos dos bens imensos, admitido que a nossa obra torne a verdadeira semelhança”?[14]. São João Crisóstomo dizia que a verdadeira semelhança é a virtude da alma, porque acontece a educação dos filhos e das filhas para serem bons, para que dominem a ira, as ofensas, qualidades divinas que nós as educamos para serem generosos, amantes das pessoas humanas e do Senhor Deus[15].

A educação é dada na comunidade

A educação também devia ser feita pela comunidade eclesial. São Gregório de Nazianzo, bispo de Constantinopla, século IV falava da boa educação, o seu significado e noção. Todos os seres humanos dotados de inteligência concordam que a educação é o primeiro dos nossos bens e a educação mais excelente não deveria levar em conta só os discursos inteligíveis, sendo dada na comunidade, em vista do dom da salvação. Em relação as ciências pagãs, São Gregório dizia que o cristão aceita a contemplação e a investigação da natureza. Rejeita-se toda ciência que leve aos demônios, ao erro, à perdição. A educação não seria desprezada, do contrário, considerar-se-iam estultos e sem educação aqueles que assim pensam e querem que todos convenham com eles, para a superação da ignorância[16].

A educação e os bens eternos

A educação tinha como fim último a elevação aos bens eternos. Clemente Alexandrino interpretou a palavra de Jesus: “A tua fé te salvou”(Mt 5,34) no sentido de que a salvação é dada em relação à fé e às obras. O fiel deve afastar-se da escravidão da carne e dos vícios para assim alcançar a demora eterna na qual é destinado[17]. Agostinho tinha presente o impulso que deve ser dado à essa educação. Como a educação de um indivíduo dá-se por etapas, assim também aquela do gênero humano e por isso o povo de Deus eleva-se das realidades temporais à compreensão daquelas eternas, das realidades visíveis para aquelas invisíveis. Ele dizia que é ótima coisa quando a alma humana não está presa aos desejos terrestres; ela começa a se habituar a esperar por Deus diante dos bens mesquinhos deste mundo espere por aqueles da vida eterna[18]. A educação da alma, do interior da pessoa humana é uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Uma coisa é atenção às feridas e doenças no corpo; outra coisa é acalmar a fome e a sede semelhantes de modo a ajudar os outros. Quando se trata de ajudar os mais necessitados nós damos uma ajuda aos seus corpos: no entanto deveria ter outra ajuda pelo ensinamento, na qual nós cumprimos uma obra educativa sobre os seus ânimos. O bispo de Hipona considerava essa arte educativa, que é a arte médica da alma, vem das mesmas divinas Escrituras distinguindo-se em dois momentos: admoestação e a instrução. Se a primeira dá-se sobre o temor, a segunda é sobre o amor. Quem educa deve ter em conta o amor. A educação que vem de Deus para o ser humano é dada pelos dois Testamentos. Se o Antigo prevaleceu mais o temor no Novo Testamento é o amor. Desta forma quem ama o próximo faz o possível para que o corpo e a alma se salvem e que esse(o próximo) tema a Deus e o ame[19].

Os Padres da Igreja consideraram a educação como algo importante que levasse ao saber, à vida comunitária, como forma de levar as pessoas à verdade das coisas, em suas famílias, comunidades e sociedade, sobretudo a verdade que é Jesus Cristo, a Igreja e o ser humano.

[1] Cfr. A. Quacquarelli. Retorica. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti, 2008,  pg. 4501

[2]Cfr. Carta a Diogneto, 5,1-4. In: Padres Apologistas. São Paulo: Paulus, 1995.

[3]Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane,  pg. 4816.

[4] Cfr. Idem, pgs. 4816-4817.

[5]Basilio I Cesarea. Discorso ai Giovani, IV,2, a cura di M. Naldini.. Firenze: Nardini Editore, 1990.

[6] Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4817. Ver também: Santo Agostinho. Confissões, VIII, 2,5. São Paulo: Paulus, 1997.

[7] Cfr. Justino de Roma. I Apologia, 4,4-5. São Paulo: Paulus, 1995.

[8] Cfr. B. Amata, Scuola. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane., pg. 4819.

[9] Clemente Alessandrino. Il Pedagogo, I, 74. In: La Teologia dei padri. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, pg. 100.

[10] Cfr. Idem, pg. 100.

[11] Cfr. Ibidem, pg. 101.

[12] Cfr. Ibidem, pg. 101.

[13] Cfr.Giovanni Crisostomo. Omelie sulla prima lettera a Timoteo, 9,2. In: La Teologia dei padri, 3. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, pgs. 381-382.

[14] Idem, 21,4. pg. 385.

[15] Cfr. Ibidem, pg. 386.

[16] Cfr. Gregório di Nazianzo.  Discorso funebre in onore di Basílio il Grande, 11. In: La Teologia dei padri, 3. pg. 27.

[17] Cfr. Clemente Alessandrino. StromataVI, 108,4. In: La Teologia dei padri, 2.  pg. 180.

[18] Cfr. Agostino. La Città di Dio, X,14. In: La Teologia dei padri, 4, pg. 238.

[19] Cfr. Agostino. I costumi della Chiesa cattolica,, I, 55-56. In: La Teologia dei padri, 1, pgs. 267-268.

Fonte: https://cnbbn2.com.br/

Meditações: Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo

São Pedro e São Paulo, Apóstolos (Opus Dei)

Meditações: Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo

Reflexão para meditar na Dedicação das Basílicas de São Pedro e São Paulo. Os temas propostos são: Pedro e Paulo, colunas da fé; Eram diferentes, mas o Evangelho os unia; Somos pedras vivas do templo que é a Igreja.

18/11/2022


AS VIDAS DE São Pedro e São Paulo se entrelaçam pelo amor a Jesus Cristo e pelo mesmo desejo evangelizador. Embora tenham uma origem, um temperamento e uma formação muito diferentes, desde o chamado do Senhor eles dedicaram as suas melhores energias para dar testemunho em toda a terra da alegria que receberam, cada um com a sua missão e o seu estilo peculiar: Pedro como cabeça da Igreja, Paulo como apóstolo das gentes.

Conheceram-se em Jerusalém, quando Paulo visitou os apóstolos, três anos depois da sua conversão (cf. Gl 1,15-18). Conviveram por apenas alguns dias. É possível que tenham coincidido posteriormente em Roma, quando Paulo foi preso na capital do Império. Sabemos que foi nesta cidade que os dois deram, pelo martírio, o seu maior testemunho de amor a Cristo: Pedro foi crucificado e Paulo, decapitado. Na cidade eterna, suas relíquias repousam hoje nas basílicas a eles dedicadas. Assim se recolhe por volta do ano 200, no testemunho do sacerdote romano Gaio: “Posso mostrar o troféu dos Apóstolos. Se, pois, queres ir ao Vaticano ou à Via Ostiense, encontrarás os troféus dos fundadores desta Igreja”[1].

Hoje contemplamos o que Deus pode fazer com as pessoas que estão generosamente abertas à sua ação. “Coragem! Tu... podes. – Escrevia São Josemaria. Não vês o que fez a graça de Deus com aquele Pedro dorminhoco, negador e covarde..., com aquele Paulo perseguidor, odiento e pertinaz?”[2]. “A tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo” [3]. Ambos são fundamento da Igreja, símbolos da sua unidade e colunas da fé. Por isso, a Igreja uniu em um mesmo dia a festa da Dedicação das basílicas romanas de São Pedro e de São Paulo, edificadas sobre os seus túmulos.


DIANTE DA fachada da Basílica de São Pedro estão colocadas duas grandes estátuas, facilmente reconhecíveis pelo que carregam: as chaves nas mãos de Pedro e a espada nas mãos de Paulo.

O símbolo das chaves – que Pedro recebe de Cristo – representa a sua autoridade. O Senhor promete-lhe que, como fiel administrador da sua mensagem, será sua responsabilidade abrir a porta do Reino dos céus (cf. Ap 3,7). A espada que Paulo carrega em suas mãos é o instrumento com que foi assassinado. Porém, lendo as suas cartas descobrimos que a imagem da espada evoca também sua missão evangelizadora. Ao sentir que a sua morte se aproxima, escreve ao seu discípulo Timóteo: “Combati o bom combate” (2 Tm 4,7). Paulo foi denominado o décimo terceiro apóstolo porque, embora não fizesse parte do grupo dos doze, foi chamado por Cristo Ressuscitado no caminho de Damasco.

Humanamente, Pedro e Paulo eram muito diferentes e provavelmente não faltaram diferenças em seu relacionamento. Mas estas não foram um obstáculo para que um e outro mostrassem “um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava”[4]. Assim expressava-se São Josemaria: “Quereria – ajuda-me com a tua oração – que, na Igreja Santa, todos nos sentíssemos membros de um só corpo, como nos pede o Apóstolo; e que vivêssemos a fundo, sem indiferenças, as alegrias, as tribulações, a expansão da nossa Mãe, una, santa, católica, apostólica, romana. Quereria que vivêssemos a identidade de uns com outros e de todos com Cristo”[5].


AO DEDICAR um templo para adoração, esse edifício deixa de ser um lugar comum para se tornar um espaço sagrado, cujo propósito será o de dar glória a Deus. A parte central do rito de dedicação é a consagração do altar que, estando totalmente nu, é ungido com o óleo do crisma no centro e nos seus quatro cantos. Em seguida, é incensado, e revestido com as toalhas de altar, flores, velas e a cruz. O celebrante, com uma vela acesa na mão, invoca a “luz de Cristo”, à semelhança do que se faz durante a Vigília Pascal.

Assim como um templo, todos os cristãos fomos consagrados a Deus em nosso batismo e ungidos no peito com o santo crisma. Também nós recebemos uma vela, acesa com a chama do círio pascal, para que sejamos fontes de luz no mundo. Podemos colaborar com entusiasmo na edificação da Igreja porque somos “pedras vivas” (1 Pe 2,5) deste edifício sobrenatural. Pedro e Paulo, essas duas testemunhas da fé, são admiráveis ​​não tanto por possuírem habilidades incomparáveis, mas sim porque, no centro da sua história, está o encontro com Cristo que lhes mudou a vida. Fizeram a experiência de um amor que os curou e libertou e, por isso, tornaram-se apóstolos e ministros de libertação para os outros.[6].

“Pedro conheceu pessoalmente Maria e no diálogo com ela, especialmente nos dias que precederam o Pentecostes (cf. At 1, 14), pôde aprofundar o conhecimento do mistério de Cristo. Paulo, ao anunciar o cumprimento do desígnio salvífico ‘na plenitude dos tempos’, não deixou de recordar a ‘mulher’ da qual o Filho de Deus nascera no tempo (cf. Gl 4, 4)”[7]. Pedimos a ela que, seguindo o exemplo de São Pedro e de São Paulo, abracemos em nossas vidas a aventura de construir a Igreja.


[1] Eusébio, História Eclesiástica, II, 25,7

[2] São Josemaria, Caminho, n. 483

[3] Bento XVI, Homilia, 29/06/2012.

[4] Bento XVI, Homilia, 29/06/2012.

[5] São Josemaria, Forja, n. 630.

[6] Francisco, Homilia, 29/06/2021.

[7] Francisco, Ângelus, 29/06/2015.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/meditacoes-dedicacao-das-basilicas-de-sao-pedro-e-sao-paulo/

A busca incansável pelo Rosto de Deus

Como já dizia Santo Inácio de Antioquia: “Há em mim uma água viva que fala, dizendo: vem ao Pai”.  (ANSA)

A "busca incansável pelo rosto de Deus tem um lugar especialíssimo de encontro. “Na liturgia, a Igreja se manifesta em toda a sua esplendida e divina pobreza, porque ali se mostra em sua realidade mais profunda, como a Esposa que recebe tudo do Esposo. Na Liturgia, o rio eterno é derramado sem medida e nós podemos beber da sua Água diretamente na fonte”.

Jackson Erpen* - Cidade do Vaticano

"A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em Cristo. É ação de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós, toda orientada para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem (CIC 2564)".  Mas, de onde procede a oração do homem? O Catecismo da Igreja Católica explica, que "seja qual for a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que ora. Mas para designar o lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito ou, com mais frequência, do coração (mais de mil vezes). É o coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será vã" (CIC 2562).

"A busca incansável pelo Rosto de Deus" é o tema da reflexão que Pe. Gerson Schmidt* nos propõe esta semana:

"Vemos em toda a Sagrada Escritura uma busca incansável pelo rosto de Deus. Havia, no Antigo Testamento, uma concepção de que não poderia continuar vivendo o homem que visse a face de Deus. Todos buscamos ver o rosto de Deus, tal como Moisés. Cristo, na plenitude dos tempos, desvelou visivelmente o rosto invisível de Deus, outrora tão encoberto e escondido. "Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor!", reza o Salmista (Sl 105,3). E no Salmo 26 há uma súplica clara pela visão beatífica: “Meu coração fala convosco confiante e o meus olhos vos procuram. Senhor, é a vossa face que eu procuro; não me escondais a vossa face” (Sl 26,8)”. 

O Catecismo da Igreja Católica, diz no número 30: "Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor!" (Sl 105,3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar a Deus, este, de sua parte, não cessa de chamar todo homem a procurá-lo, para que viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço de sua inteligência, a retidão de sua vontade, "um coração reto", e também o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar a Deus” (CIgC,30).

Os monges Cartuxos escrevem que só um verdadeiro desejo de ver o “rosto de Deus” pode nos sustentar nesse percurso do coração[1]. A visão de Deus é a bem-aventurança prometida por Jesus aos puros de coração, mas a imagem distorcida de Deus que se revela na nossa oração, nos expõe que o nosso coração não é “puro”, ou seja, não é capaz de receber em pobreza somente amor e de doar somente amor”. Por isso, é necessário que a graça do Espírito o qual ensina a Jesus a dizer “Pai”, nos ensine também a dizê-lo com Jesus, da mesma forma e com o mesmo significado. Ou melhor, que seja Ele mesmo, o Espírito a dizê-lo em nós, fazendo-nos uma só e mesma coisa com Cristo: "tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fl 2,5).  

E apontam os monges, nesse aprofundamento do Caderno de Oração de número 6: “Só quando o Espírito tornar o nosso coração tão pobre a ponto de fazer nosso o grito de Súplica do filho (Mc 14,36), de estar conscientes de ter uma necessidade extrema da Graça, só então poderemos dizer verdadeiramente com Jesus e como Ele: Abbá, Papai preciso de ti. Sem ti não posso fazer nada.  Sendo assim, seremos verdadeiramente crianças, podendo deste modo acolher plenamente o dom do Reino, dom da verdadeira oração, apenas quando nos deixarmos crucificar pela humilhação de não saber e não poder viver esta vida nova do Reino com as nossas próprias forças. Aceitação de nossa pobreza pessoal, física, psicológica e moral é o único meio pelo qual podemos receber a glória divina já presente em nós. Aceita como humildade e confiança, essa pobreza perpétua torne-se o lugar e o meio pelo qual podemos dizer a Deus Abbá. Torna-se a nossa morte, torna-se a nossa Páscoa, o nosso caminho diário ao Pai e a nossa ressurreição”[2].

O Espírito Santo se derrama e age no íntimo de cada de nós, atraindo-nos secreta e poderosamente para a Fonte de onde Ele mesmo emana, para o coração de Cristo e para o coração do Pai. Como já dizia Santo Inácio de Antioquia: “Há em mim uma água viva que fala, dizendo: vem ao Pai”[3]. O Espírito suscita e mantém viva em nossos corações essa sede da Água viva, essa saudade do Rosto do verdadeiro Deus. Deus deixou-nos a sua imagem impressa. Deixou-nos em nosso íntimo com amor, amor inexplicável, a “memória” de seu olhar. E desde esse momento o nosso coração está irrequieto, até reencontrar esse olhar amoroso. Nossa alma tem sede de Deus, está sedento desse rosto nostálgico. Uma das frases mais famosas de Santo Agostinho diz: "Fizeste-nos para vós, Senhor, e inquieto estará o nosso coração, enquanto não repousar em vós"[4].

Essa busca incansável pelo rosto de Deus tem um lugar especialíssimo de encontro. “Na liturgia, a Igreja se manifesta em toda a sua esplendida e divina pobreza, porque ali se mostra em sua realidade mais profunda, como a Esposa que recebe tudo do Esposo. Na Liturgia, o rio eterno é derramado sem medida e nós podemos beber da sua Água diretamente na fonte”[5]. Essa Água viva – o Espírito Santo de Amor – nos é dada na medida da nossa sede, na medida do nosso desejo, na medida da nossa pobreza e abertura interior. Que esse ardente desejo de ver o rosto do Amado, seja sempre a vontade mais fundamental e radical de nossa vida."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Monges Cartuxos – Dicastério para a Evangelização - A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 38-39.
[2] Idem 39-40.
[3] Idem, 59.
[4] Santo Agostinho, As Confissões, I, 1,1
[5] Monges Cartuxos – Dicastério para a Evangelização - A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, p. 60.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

domingo, 17 de novembro de 2024

Papa Francisco: por favor, não nos esqueçamos dos pobres

Santa Missa Dia Mundial dos Pobres , 17/11/2024 (VCaticxan News)

Na missa do VIII Dia Mundial dos Pobres, Francisco faz um apelo aos governos e às organizações internacionais, mas convida a Igreja a sentir “a mesma compaixão do Senhor” diante dos últimos, e pede aos cristãos que se tornem “sinal da presença do Senhor”, pertos do sofrimento dos necessitados para aliviar suas feridas e mudar sua sorte: só assim a Igreja “se torna ela mesma, casa aberta a todos”.

https://youtu.be/AMiN7rOO7HA

Alessandro Di Bussolo - Vatican News

“Por favor, não nos esqueçamos dos pobres!”. A invocação com a qual o Papa Francisco encerra sua homilia na missa do VIII Dia Mundial dos Pobres neste domingo (17/11), na Basílica de São Pedro, é dirigida à Igreja, aos governos dos Estados e às organizações internacionais, mas também “a todos e a cada um”. E aos fiéis em Cristo, o Papa nos lembra que “é a nossa vida impregnada de compaixão e de caridade que se torna sinal da presença do Senhor, sempre próximo do sofrimento dos pobres, para aliviar as suas feridas e mudar a sua sorte”. Porque a esperança cristã precisa de “cristãos que não se viram para o outro lado” e que sintam “a mesma compaixão do Senhor diante dos pobres”. Francisco sublinhou isso lembrando uma advertência do cardeal Martini: somente servindo os pobres “a Igreja ‘torna-se’ ela mesma, isto é, uma casa aberta a todos, um lugar da compaixão de Deus pela vida de cada homem”.

Papa Francisao: “Por favor, não nos esqueçamos dos pobres!” (Vatican Media)

Jesus se tornou pobre por nós

Em uma Basílica lotada, com a presença dos pobres que mais tarde almoçam com ele na Sala Paulo VI, o Pontífice abre a celebração com a exortação do ato penitencial: “Com o olhar fixo em Jesus Cristo, que se fez pobre por nós e rico de amor para com todos, reconheçamos que precisamos da misericórdia do Pai”. O celebrante no altar é o arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização.

Na escuridão deste tempo, brilha uma esperança inabalável

Na homilia, o Papa Francisco relê a passagem do Evangelho de Marcos, na liturgia deste XXXIII Domingo do Tempo Comum, com as palavras de Jesus aos discípulos antes de sua paixão, descrevendo “o estado de espírito daqueles que viram a destruição de Jerusalém”, mas também a chegada extraordinária do Filho do Homem. “Quando tudo parece desmoronar-se, que Deus vem, que Deus se aproxima, que Deus nos reúne para nos salvar”.

Jesus convida-nos a ter um olhar mais aguçado, a ter olhos capazes de “ler por dentro” os acontecimentos da história, para descobrir que, mesmo na angústia dos nossos corações e dos nossos tempos, há uma esperança inabalável que resplandece.

Angústia e impotência diante da injustiça do mundo

Neste Dia Mundial dos Pobres, portanto, o Papa nos convida a nos determos nas duas realidades, “angústia e esperança, que sempre duelam entre si na arena do nosso coração”. Ele começa com a angústia, tão difundida em nosso tempo, “onde a comunicação social amplifica os problemas e as feridas, tornando o mundo mais inseguro e o futuro mais incerto”. Se o nosso olhar, enfatiza, “se detém apenas na crônica dos acontecimentos, dentro de nós a angústia ganha terreno”, porque ainda hoje, como na passagem do Evangelho, “vemos o sol escurecer e a lua se apagar, vemos a fome e a carestia que oprimem tantos irmãos e irmãs, vemos os horrores da guerra e a morte de inocentes”. E corremos o risco de “afundarmos no desânimo e de não nos apercebermos da presença de Deus no drama da história. Assim, condenamo-nos à impotência".

Vemos crescer à nossa volta a injustiça que causa a dor dos pobres, mas juntamo-nos à corrente resignada daqueles que, por comodismo ou por preguiça, pensam que “o mundo é assim mesmo” e que “não há nada que eu possa fazer”. Desse modo, até a própria fé cristã é reduzida a uma devoção inócua, que não incomoda os poderes deste mundo e não gera um compromisso concreto de caridade.

A ressurreição de Jesus acende a esperança

Francisco cita a sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium para nos lembrar que, “enquanto crescem as desigualdades e a economia penaliza os mais fracos, enquanto a sociedade se consagra à idolatria do dinheiro e do consumo”, acontece que “os pobres e os excluídos não podem fazer outra coisa senão continuar a esperar”. Mas no quadro apocalíptico que acaba de ser descrito no Evangelho, Jesus “acende a esperança”, descrevendo a chegada do Filho do Homem “com grande poder e glória”, para reunir “os seus eleitos dos quatro ventos”. Assim, ele “alarga o nosso olhar para que aprendamos a perceber, mesmo na precariedade e na dor do mundo, a presença do amor de Deus que se faz próximo, que não nos abandona, que atua para a nossa salvação”. Jesus, lembra o Pontífice, está apontando “inicialmente para a sua morte que terá lugar pouco depois”, mas também para “o poder da sua ressurreição” que destruirá as cadeias da morte, “e um mundo novo nascerá das ruínas de uma história ferida pelo mal”. Jesus nos dá essa esperança por meio da bela imagem da figueira: “quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”.

Do mesmo modo, também nós somos chamados a ler as situações da nossa história terrena: onde parece haver apenas injustiça, dor e pobreza, precisamente naquele momento dramático, o Senhor aproxima-se para nos libertar da escravidão e fazer brilhar a vida.

Você olha nos olhos a pessoa que ajuda?

E isso é feito, ele explica, “com nossa proximidade cristã, com a nossa fraternidade cristã”.

Não se trata de jogar uma moeda nas mãos de quem precisa. Àquele que dá a esmola, eu pergunto duas coisas: “Você toca as mãos das pessoas ou joga a moeda sem tocá-las? Você olha nos olhos a pessoa que ajuda ou desvia o olhar?”.

Perto do sofrimento dos pobres

Cabe a nós, seus discípulos, continua o Papa Francisco, que graças ao Espírito Santo podemos semear essa esperança no mundo. “Somos nós" - e aqui ele cita sua Encíclica Fratelli tutti - "que podemos e devemos acender luzes de justiça e de solidariedade, enquanto se adensam as sombras de um mundo fechado".

Somos nós que a sua Graça faz brilhar, é a nossa vida impregnada de compaixão e de caridade que se torna sinal da presença do Senhor, sempre próximo do sofrimento dos pobres, para aliviar as suas feridas e mudar a sua sorte.

Desvio o olhar diante da dor dos outros?

Não esqueçamos, é a invocação do Papa, que a esperança cristã, “que se realizou em Jesus e se concretiza no seu Reino, precisa de nós e do nosso empenho, de uma fé operosa na caridade, de cristãos que não passam para o outro lado do caminho". E aqui ele lembra a imagem de um fotógrafo romano de um casal de adultos saindo de um restaurante, que olhava para o outro lado para não cruzar dom o olhar de “uma pobre senhora, deitada no chão, pedindo esmolas”.

Isso acontece todos os dias. Perguntemos a nós mesmos: eu olho para o outro lado quando vejo a pobreza, as necessidades, a dor dos outros?

Francisco cita então um teólogo do século XX, Metz, quando dizia que a fé cristã deve gerar em nós uma “mística de olhos abertos”: “não uma espiritualidade que foge do mundo, mas, pelo contrário, uma fé que abre os olhos aos sofrimentos do mundo e às aflições dos pobres, para exercer a mesma compaixão de Cristo”.

“Eu sinto a mesma compaixão do Senhor diante dos pobres, diante daqueles que não têm trabalho, que não têm o que comer, que são marginalizados pela sociedade?”

Mesmo com o nosso pouco, podemos melhorar a realidade

E, continua o Papa Francisco, “não devemos olhar apenas para os grandes problemas da pobreza mundial, mas para o pouco que todos nós podemos fazer todos os dias".

Com o nosso estilo de vida, com o cuidado e a atenção pelo ambiente em que vivemos, com a busca tenaz da justiça, com a partilha dos nossos bens com os mais pobres, com o engajamento social e político para melhorar a realidade que nos rodeia..

Por favor, não nos esqueçamos dos pobres

Assim, “o nosso pouco será como as primeiras folhas que brotam na figueira: uma antecipação do verão que está próximo”. Concluindo, o Papa recorda uma advertência do cardeal Carlo Maria Martini, quando disse “que devemos ter cuidado ao pensar que existe primeiro a Igreja, já sólida em si mesma, e depois os pobres dos quais escolhemos cuidar. Na realidade, tornamo-nos a Igreja de Jesus na medida em que servimos os pobres, pois somente assim «a Igreja “torna-se” ela mesma, isto é, uma casa aberta a todos, um lugar da compaixão de Deus pela vida de cada homem»”.

Digo-o à Igreja, digo-o aos governos dos Estados e às organizações internacionais, digo-o a todos e a cada um: por favor, não nos esqueçamos dos pobres.

Projeto de caridade pela Síria e almoço com os pobres

Antes da missa, o Papa Francisco abençoou simbolicamente 13 chaves, representando os 13 países nos quais a Famvin Homeless Alliance (FHA), da Família Vicentina, construirá novas casas para pessoas necessitadas com o Projeto “13 Casas” para o Jubileu. Entre esses países está também a Síria, cujas 13 casas serão financiadas diretamente pela Santa Sé como um gesto de caridade para o Ano Santo. Um ato de solidariedade que se tornou possível graças a uma generosa doação da UnipolSai, que desejou entusiasticamente contribuir, no período que antecedeu o Ano Santo, com esse sinal de esperança para uma terra ainda devastada pela guerra.

No final da missa e após a recitação do Angelus, o Papa almoça na Sala Paulo VI junto com 1.300 pessoas pobres. O almoço, organizado pelo Dicastério para o Serviço da Caridade, é oferecido este ano pela Cruz Vermelha Italiana e animado por sua Fanfarra Nacional. No final do almoço, cada pessoa recebe uma mochila oferecida pelos Padres Vicentinos (Congregação da Missão), contendo alimentos e produtos de higiene pessoal.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Naquele tempo…

O que é o Apocalipse (cancaonova)

NAQUELE TEMPO… 

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)

Os textos bíblicos do penúltimo domingo do Tempo Comum (Daniel 12,1-3, Salmo 15, Hebreus 10,11-14.18 e Marcos 13,24-32) estão escritos no gênero literário apocalíptico. Na literatura e no cinema ele é um dos gêneros preferidos para descrever as catástrofes passadas e aquelas que se espera. O senso comum captou o aspecto exterior e somente a parte destrutiva. Se está presente nos textos bíblicos este aspecto, porém não é o fundamental e nem o mais importante. O gênero apocalíptico quer despertar as consciências da letargia e incutir a esperança numa nova criação. O Livro do Apocalipse começa assim: “Revelação de Jesus Cristo”, portanto apocalipse quer dizer revelação. É Jesus Cristo que a faz e se refere a ele mesmo. Ele tira o véu para poder compreender o sentido do mundo e da história. 

O texto de Daniel e de Marcos começam com uma fórmula quase idêntica: “naquele tempo”, “naqueles dias”. Eles não estão se referindo a um tempo passado, mas um tempo que está diante de nós. Entre nós e aquele tempo, tem algo muito sério: “um tempo de angústia” e uma “grande tribulação”. Este presente é lido à luz da meta definitiva. O apocalipse diz antes de tudo ao homem que a história vai ser avaliada e julgada pela meta futura, pela sua chegada ao final.  

Uma segunda característica do apocalipse é reconhecer os sinais dos tempos. “Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”. O que significa que a figueira começa a ficar verde e brotar, num contexto tenebroso de escuridão, morte e angústia? A figueira sem folhas e sem frutas aparentemente está morta e infrutífera, porém esta não é a situação definitiva. A última palavra cabe a Deus que transforma definitivamente as situações. É preciso ver além das aparências. 

Uma terceira característica do apocalipse é levar a suscitar a virtude teologal da esperança. A forma como o autor desenvolve o gênero apocalíptico é levar o leitor ao futuro, à meta final e depois transportá-lo novamente para a vida atual e cotidiana. É verdade que a vitória definitiva está num futuro indeterminado, por outro lado chama o homem a viver responsavelmente o dia a dia.  

Os textos bíblicos nos fazem olhar para o tempo presente no qual está presente a angústia dum futuro incerto, tribulações de toda espécie, ações humanas que fazem escurecer o sol, tirar o brilho da lua e abalar os fundamentos do universo. Se ficarmos somente com esta perspectiva sobre o mundo presente podemos ser levados ao pessimismo e a perda da esperança. Parece que o mal e a morte têm a última palavra.  

Porém, o mais importante é que os textos apocalípticos afirmam que a história do mundo não é a história da perdição, mas de salvação. “O presente está grávido do futuro para o qual caminhamos e esse futuro é decidido na fidelidade à sua palavra. A nossa vida já não está mais fechada sobre esta terra e esta terra não é mais a nossa prisão de morte. Ela está agora aberta ao céu. Mas esta abertura não nos tira das responsabilidades terrestres, porque exatamente nesta terra e neste momento presente que se lança a nossa vida futura, situada entre aquilo que “já” aconteceu em Cristo, e aquilo que “ainda não” aconteceu para nós. Mas certamente acontecerá” (Uma comunidade lê o Evangelho de Marcos, p.699). 

Voltemos a ouvir os textos bíblicos. Do livro de Daniel: “Naquele tempo […] será um tempo de angústia, como nunca houve até então, […] mas, neste tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem inscritos no Livro. […] brilharão como estrelas, por toda a eternidade”. O evangelista Marcos escreve: “Naqueles dias, depois da grande tribulação […] Então vereis o filho do Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. […] Os céus e terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF