Foto: Böhringer Friedrich | Opus Dei
O perene presépio do Sacrário
Este é um texto sobre o Natal. Nele recordamos que os Magos
levaram ouro, incenso e mirra. E nós, o que levamos para o Menino Jesus? O
trabalho de todas as atividades humanas.
27/12/2017
“Dias de Natal, princípios de 1939. Renascer e continuar,
começar e seguir. No campo material, inércia é não mudar: não mexer no que está
quieto, não parar o que se move. Porém, no espiritual, seguir e continuar nunca
é inércia. Voltemos ao mesmo, sempre ao mesmo: Deus conosco, Jesus menino: e
nós, guiados pelos Anjos, indo adorar o Menino Deus, que Maria e José nos
mostram. Por todos os séculos, de todos os confins do orbe, carregados e
animados pelo trabalho de todas as atividades humanas, irão chegando magos ao perene
presépio do Sacrário. Cuida e trabalha, preparando tua oferenda – teu labor,
teu dever – para esta Epifania de todos os dias"[1].
A adoração dos Magos, o Batismo do Senhor, as bodas de Caná:
três manifestações da divindade do Verbo encarnado, três epifanias que estão
localizadas no tempo mas têm sabor de eternidade, porque Jesus Cristo é o
mesmo, ontem, hoje e sempre[2].
Na bela carta que inicia uma seção de Notícias,
do mês de dezembro de 1938, pouco mais de dez anos após a fundação do
Opus Dei, nosso Fundador contempla o Menino Deus em Belém. Depois de
reafirmar a definição da vida interior que tantas vezes temos atualizado em
nosso itinerário de aproximação ao Senhor,– começar e recomeçar –, São
Josemaria une o mistério da adoração dos Magos ao nosso trabalho profissional.
Relaciona o alcance eterno daquela oferenda com a dimensão divina que podem
adquirir nossas ocupações cotidianas.
Nós somos, também, de algum modo, aqueles magos que, guiados
pela estrela da vocação, nos aproximamos de Belém, nos tempos atuais,
desde todos os confins do orbe. Os Magos, que não são membros
do povo hebreu, mas gentios, anunciam essa grande convocação que será a Igreja,
Povo de Deus. Vinham do Oriente, de além do Jordão. Herodes perguntava onde
estava o Rei dos judeus. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas sabiam que o
Messias devia nascer em Belém[3], mas não se deram ao trabalho de ir saudá-lo.
Herodes se inquieta e toda a Jerusalém com ele[4]; entretanto, somente esses
estrangeiros fazem a viagem. Amar é mais que conhecer, o saber não basta para
chegar a Jesus.
Crédito> Opus Dei
Quarenta dias depois do nascimento, quando o divino Menino
havia sido apresentado no Templo, o velho Simeão proclamava a Salvação dos
povos e profetizava sobre quem ia ser luz para iluminar os gentios e
glória de Israel[5]. Luz divina para todas as nações e, por isso mesmo,
glória de Israel.
Os pastores – hebreus – e os Magos – pagãos – são os
primeiros de uma multidão onde já não haverá mais diferença entre judeu e
grego, entre escravo e livre, entre homem e mulher[6]. Com os Magos, começa a
se cumprir a profecia de Simeão para os gentios. Nós, séculos depois, formamos
também parte desse Povo convocado na Nova Aliança. “Um povo, formado por judeus
e gentios, que se reunira em unidade, não segundo a carne, mas no Espírito, e
constituísse um novo Povo de Deus"[7]. O pão das ovelhas perdidas da casa
de Israel se faz pão para todos[8].
Os Magos levam ouro, incenso e mirra. E nós, o que levamos
para o Menino Jesus? Nós vamos a Belém carregados e animados pelo
trabalho de todas as atividades humanas.
Carregados
Carregados, porque o trabalho duro, contínuo, exigente é,
para nós, peso. O trabalho, sempre vocação do homem, com o pecado, tornou-se
esforço, luta e dor. Com a desobediência, veio a morte; morte que Cristo quis
também padecer. Nós, como os Magos, trazemos mirra. Como Nicodemos, levaremos
uma mistura de mirra e de aloés aos pés da Cruz, tomaremos seu Corpo e o
envolveremos em lençóis, com os melhores aromas que possamos encontrar[9]:
mirra da abnegação por amor a Cristo e às almas, de amor à Cruz no trabalho de
cada dia, ainda que custe e porque custa. Nosso trabalho, participação nos
sofrimentos de Cristo, é também bálsamo para curar, para limpar e aliviar as
tremendas feridas que abrimos com nossos pecados em sua Santíssima Humanidade.
Nada faltou à Paixão de Jesus para nos salvar, mas, para que seus méritos nos
sejam aplicados, devemos completar em nossa carne aquilo que falta aos
sofrimentos de Cristo em favor de seu Corpo que é a Igreja[10]. Alegria de
participar nos sofrimentos da Cruz para que Cristo se forme em cada membro de
seu Corpo Místico: afã de almas, amor redentor do cristão. Nossas fadigas
servem para a salvação de muitas almas.
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Onde está o Rei dos judeus? –perguntava Herodes. Aonde
iremos, carregados com nosso trabalho? Iremos ao perene presépio do Sacrário.
Ali, como fruto da Missa – trabalho de Deus –, como fruto da Cruz, Ele está
substancialmente presente.
O Pão da Vida, Pão descido do Céu, Pão para a vida do
mundo[11], está nos esperando agora no presépio do Sacrário, onde há mais
humildade, mais aniquilamento do que na manjedoura e do que no Calvário. Os
Reis Magos encontraram Jesus em Bêt-lehem, que significa casa
do pão. O grão de trigo, que morrendo dará muito fruto, jaz sobre um pouco
de palha[12]. Vamos a Belém com o ouro do desprendimento dos êxitos e dos
fracassos, com o incenso dos desejos de servir e de compreender – caridade,
pureza: bom odor de Cristo – e a mirra do sacrifício de cada
dia[13].
Animados
Vamos animados pelo trabalho, porque o trabalho
é para nós caminho para chegar a Jesus; é, de algum modo, caminho para Belém:
ali, onde nasce o Verbo encarnado, onde Céus e terra se unem, no seio de Maria
e, depois, naquele humilde berço de Belém. Até ali vamos nós que procuramos unir
trabalho e oração, oração e trabalho: o mundo com Deus.
Vamos com bom ânimo, com passo alegre. O trabalho é, com
efeito, e apesar das dificuldades que sempre traz consigo – e que algumas vezes
tanto nos fazem sofrer –, vida, tarefa, dom, crescimento, serviço a Deus e aos
demais. Por isso tratamos de amá-lo, fazê-lo com alegria, com entusiasmo: com
paixão profissional. O trabalho é, neste sentido, motor que impulsiona. É bom
sair de casa com desejos de cumprir aquela tarefa humana que constitui nossa
vocação profissional e, ao mesmo tempo, nos posiciona na sociedade.
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Ele é o artesão, o filho do artesão[14], aquele que
trabalhou trinta anos em Nazaré. É o Filho de Deus que transformou o pão em seu
Corpo. Quanto lhe custou o trabalho da Cruz! Abbá, não se faça a
minha vontade, mas a tua[15]; e esta submissão da vontade nós a atualizamos
cada dia, quando o sacerdote, emprestando sua voz e toda sua pessoa ao Senhor,
agindo in Persona Christi Capitis, repete as palavras da
Instituição da Eucaristia: Isto é meu Corpo que será entregue por vós.
Assim vamos, carregados e animados, seguindo as pegadas de quem subiu a
Jerusalém com o peso de nossos pecados, animado por desejos de salvação, por
desejos de entrega.
Quam dilecta tabernacula tua, Domine virtutum![16].
Vamos, animados pelo trabalho, ao Sacrário, ao Tabernáculo, à casa do Senhor
dos Exércitos, força de nossas lutas de paz para alcançar as virtudes.
Oferecemos essa luta a Ele, porque não há nada de bom que tenhamos feito que
não venha d'Ele. Que tens que não tenhas recebido? – dizia São Paulo[17]. Essas
virtudes que nos esforçamos por exercer no trabalho são de Deus: a
laboriosidade – meu Pai não deixa de trabalhar, e eu também trabalho[18] –, a
paciência, a responsabilidade, o cuidado das coisas pequenas, o esforço por dar
acabamento, o afã por ajudar os demais a crescerem e a humildade que permite
valorizar seu trabalho, a alegria, o serviço. No “começar e recomeçar"
está a luta para adquirir essas virtudes, hábitos operativos que forjam nossa
personalidade e, pouco a pouco, nos identificam com Cristo.
Guillaume Derville
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[1] Cfr. São Josemaria Escrivá de Balaguer, Caminho, edição
crítico-histórica, preparada por Pedro Rodríguez, 3ª ed. Rialp, Madrid 2004,
pág. 1051 (comentário ao ponto 998).
[2] Cfr. Hb 13, 8.
[3] Cfr. Mi 5, 1-3.
[4] Cfr. Mt 2, 4-6.
[5] Lc 2, 34.
[6] Cfr. Gal 3, 28.
[7] Concílio Vaticano II, Const. dogm. Lumen Gentium, n. 9.
[8] Cfr. Mt 15, 24-28.
[9] Cfr. Jo 19, 39.
[10] Cfr. Cl 1, 24.
[11] Cfr. Jo 6, 35,41,51.
[12] Cfr. João Paulo II, Mensagem do Santo Padre para a XX
Jornada Mundial da Juventude (Colônia, agosto 2005), 26-VIII-2004, n. 3
[13] Cfr. É Cristo que passa, nn. 35-37.
[14] Cfr. Mt 13, 55; Mc 6,3.
[15] Cfr. Mc 14, 36.
[16] Sl 84 [83], 2.
[17] Cfr. 1 Co 4, 7.
[18] Jo 5, 17.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/o-perene-presepio-do-sacrario/