A DEMOCRACIA TEM FUTURO?
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
As Democracias, geralmente, não decaem pela luta nem são
feridas pela força, anuviam-se, na maioria das vezes, sob os aplausos!
Entretanto, os aplausos à sua desqualificação são construídos pouco a pouco.
Rastejam por entre as democracias, que são sistemas difíceis pela necessidade
que tem de conciliar os contrários, por isso, também, o mais desejável.
O modo sorrateiro dos ataques a ela, como nos alerta os
autores do livro How Democracies Die (Como morrem as democracias), são
enumerados e nos explicam como eles a atacam. Esses ataques sorrateiros “são
adotados sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e
mesmo elogiável -, como combater a corrupção, ‘limpar’ as eleições, aperfeiçoar
a qualidade da democracia ou aumentar a segurança nacional”. Assim,
isoladamente esses atos parecem ser inocentes e benfazejos, mas juntos e na
boca de tiranos visam promover a derrocada da Democracia.
Um outro elemento que me vem à mente é a certeza que o
autocrata (aquele que detesta a democracia) tem de que os seus fracassos no
governo, porque a maioria chegou ao poder de maneira legítima e fracassam, é o
fato de seus adversários não o deixarem fazer e agir segundo os seus
propósitos. Essa é uma fé que o autocrata deve ter para que consiga êxito em
sua empreitada.
Como a democracia é um jogo de peso e contrapeso, logo se
alardeia que também as instituições legítimas do Estado são inimigas. Essas
ideias, dominantes entre os autocratas, espalha-se também para uma parcela
significativa da população, que começa a enxergar na democracia e na
alternância de poder, que é um de seus elementos básicos, um inimigo declarado.
É certo que depois do abalo da mais longeva democracia do
Ocidente moderno, nos rendemos conta que a Constituição, por si só, não a
protege. Tanto nos Estados Unidos, que penaram recentemente nas mãos virulentas
de Donald Trump, e que se preparam para o seu retorno triunfal; quanto na
subversão constante que o poder legislativo vem fazendo na Constituição
brasileira, demonstram sua ineficácia, enquanto texto.
Então surge o seguinte problema- se o interesse dos que
estão postos como guardiões da Democracia não a estimam e se a própria
Constituição não tem a força necessária para defendê-la, como poderá a
Democracia sobreviver?
Há, ainda, outro elemento pernicioso nas Democracias em
desenvolvimento: o excesso de privilégio dos seus guardiões. Nas múltiplas
esferas do poder, quando se trata de aumentar o ganho e as vantagens de seus
membros, privilégios estendidos para a sua prole, o acordo é imediato. Parece
ter uma combinação geral para justificar vantagens das mais absurdas, como
auxílio moradia, alimentação e até paletó, para indivíduos que ganham dezenas
de milhares de Reais. Historicamente sabemos que o excesso de regalias e privilégios
nunca terminou bem na política. Estaria, assim, o povo sendo representado por
seus inimigos?
Voltando às duas questões anteriores, no âmbito nacional, e
considerando que, se os indivíduos que estão no poder não estimam a democracia,
então deveriam ser substituídos, mas essa substituição esbarra em uma trapaça!
Nela, o povo é levado a crer que fará escolha entre o bem e o mal; assim, os
inimigos da democracia subvertem o objeto real da política e desvia o olhar da
nação para questões privadas ou secundárias, e evolvem, neste mixtum
compositum, as instituições que o povo preza. No fim, sempre que eles percebem
algum risco para suas próprias posições, aceitam engrossar a fileira dos
mandatários, mas eles mesmos não cogitam deixar o poder.
Na vida ordinária, quando o indivíduo está descontente com
os seus rendimentos ele abandona o antigo emprego, e, segundo a sua capacidade,
buscará outro que lhe pagará melhor. Para esses agentes de Estado, essa não
parece ser uma alternativa, preferindo, eles, subverter as regras da justiça
pública para aumentar os seus ganhos. Difícil dizer se há diferença entre os
agentes públicos, neste quesito.
Por outro lado, podemos partir do princípio que os
indivíduos não são bons nem maus, em sua origem. As oportunidades e os
contextos é que os leva a inclinar-se para um lado ou para o outro.
Já dizia Rudolf von Ihering: o delinquente é um calculador.
Ele vai calcular o risco que corre ao atacar os bens públicos e a Democracia.
Verá as suas vantagens e agirá segundo os seus interesses.
O povo, que tem múltiplos inimigos, não pode se dividir.
Deve ter um foco na melhoria da Nação como um todo. Para isso, deverá
substituir continuamente aqueles a quem confiou o poder. Não deve perder-se em
querelas arranjadas para mascarar os seus problemas reais. Devem se concentrar
no quanto o País, os Estados e os municípios estão fazendo para enriquecer a
população (não somente a alguns); como está sendo gasto o dinheiro do trabalho
de cada um, recolhido como impostos; o aumento de impostos não deve ser
suportado, se não para equilibrar a justiça como equidade, e que seja
suficientemente claro à sociedade que ele irá melhorar a vida de todos ou da
maioria.
Por fim, o povo deve ter uma repulsa total a qualquer
solução milagrosa ou que proponha cortar caminho para retirar o poder de suas
mãos. Excluindo, agora, a grande premissa acima, voltemos ao futuro da
democracia. Por mais paradoxal que pareça e democracia tem sim um futuro.
Decerto, não esta democracia que ora respiramos, mas uma democracia
aperfeiçoada.
Sabemos com muita clareza, na ciência política, que a
democracia representativa, aquela onde se delega a decisão aos representantes,
é um momento imperfeito e transitório da democracia, ela deverá avançar para o
seu cumprimento.
Neste delegar de poderes dos últimos duzentos anos os
agentes públicos se apossaram das decisões e geraram para si mesmos
estabilidade, e é essa estabilidade que deverá ser rompida em breve. Na
democracia aperfeiçoada o povo colocará e tirará qualquer um do exercício do
poder não apenas por corrupção ou delinquência, mas por incompetência,
indolência e prevaricação.
No futuro da democracia está a capacidade do povo de
estabelecer metas e exigir de seus trabalhadores a sua execução, devendo esse
mesmo trabalhador ir cuidar de suas coisas e se retirar desse encargo quando
sentir que não tem a capacidade de desempenhá-lo.
Haverá uma série de regras para quem aceitar um cargo em
nome do povo, mesmo quando eleito. A começar pelo salário que for prometido
para o exercício do cargo, ele será vigiado pelo povo e nada mais poderá ser
acrescentado a quem aceitar o serviço! As condições serão claras como no setor
privado. Caso o cidadão não aceite o cargo voltará para o setor privado, onde
se espera que tenha suficiente competência para sobreviver.
A regra do salário para os servidores públicos será
determinada pela regra do piso mínimo e não mais pelo salário da suprema corte,
que por terem cargos vitalícios são, agora os escolhidos para definir os
próprios salários, com reflexo em todo o funcionalismo público.
A regra do piso inferior e dos critérios claros e
invioláveis dos salários, obrigará um esforço de todos para o enriquecimento da
população, pois seu salário só aumentará se o mínimo, que pode ser mais bem
definido se calculado por hora trabalhada, subir. Ajustando assim a teoria
econômica de que, quem reparte o bolo pega por último.
É aconselhável também que nenhum salário do funcionalismo
público supere dez vezes o salário-mínimo. Isso é importante, porque cada vez
que um indivíduo se afasta economicamente mais que esse valor do povo ele perde
o contato com a realidade, tornando-se incapaz de intuir as necessidades do
coletivo. O valor limite é suficiente para atrair pessoas jovens, relevantes e
atuais, embora possa parecer desprezível para advogados de grandes escritórios,
coronéis de famílias “tradicionais” e lobistas.
O povo poderá, segundo as suas necessidades, autorizar em
investimento de pessoal, de universidades privadas, e pessoas capazes de pensar
e fazer inovação, mas estes não serão parte dos servidores públicos, e, embora
possam receber salários superior ao que foi estabelecido, prestará serviço ao
Estado, mas não será servidor do povo nem terá estabilidade.
Por fim, aquele dito que alude: fora da política não tem
saída, deve tornar-se um epitáfio, pois quem o declama confunde a democracia
com o sistema que ora se opera. O que é incorreto! Pois acaba dizendo que a
mudança não é possível. Entretanto, o tempo é de mudança! Este modo de fazer
política deve morrer, ou aniquilará a democracia.
A democracia, embora esteja sofrendo no momento, retornará.
Para o povo não há alternativa, ou ele toma os caminhos das decisões ele mesmo,
ou terá que entregar a pessoas e grupos o seu destino, e isso nunca acabou bem
até agora.