Mensagem do Papa Francisco na cimeira (conferência) sobre a inteligência
artificial, que ocorreu em Paris, nos dias 10 e 11 de fevereiro de 2025.
03/03/2025
Senhor Presidente,
Excelências, ilustres participantes,
Tomei conhecimento da vossa louvável iniciativa de realizar
uma cimeira sobre a inteligência artificial, em Paris, a 10 e 11 de fevereiro
de 2025. Soube que V. Exa., senhor Presidente, quis dedicar esta cimeira
à ação em matéria de inteligência artificial.
Durante o nosso encontro, na Apúlia, no âmbito do G7, tive a
oportunidade de salientar a urgência de "garantir e proteger um espaço de
controle significativo do ser humano sobre o processo de escolha dos programas
de inteligência artificial". De fato, considerava que sem estes
mecanismos, a inteligência artificial, embora sendo um novo instrumento
"fascinante", poderia mostrar o seu lado mais "tremendo",
tornando-se uma ameaça para a dignidade humana (cf. Discurso
na sessão do G7 sobre Inteligência Artificial).
Por isso, felicito-vos pelos esforços realizados, com
coragem e determinação, para enveredar por um percurso político destinado a
proteger a humanidade contra um uso da inteligência artificial que "limita
a visão do mundo a realidades expressáveis em números e encerradas em
categorias pré-concebidas, excluindo o contributo de outras formas de verdade
e impondo modelos antropológicos, socioeconômicos e culturais uniformes".
(ibid.);
e pelo fato de na cimeira de Paris terdes querido envolver o maior número
possível de atores e de peritos numa reflexão que visa produzir resultados
concretos.
Na minha última Carta encíclica, Dilexit
nos, quis distinguir a categoria dos algoritmos da do “coração”,
conceito-chave defendido pelo grande filósofo e cientista Blaise Pascal, a quem
dediquei uma Carta apostólica por ocasião do quarto centenário do seu
nascimento (cf. Sublimitas
et miseria hominis, 2023), para sublinhar que, se os algoritmos podem
ser usados para enganar o homem, o “coração”, entendido como a sede dos
sentimentos mais íntimos e mais verdadeiros, nunca o poderá enganar (cf. Carta
encíclica Dilexit
nos, nn. 14.20).
A todos os que participarão na cimeira de Paris, peço que
não esqueçam que é apenas do “coração” do homem que provém o sentido da sua
existência (cf. Blaise Pascal, Pensamentos). Convido a acolher como
axiomático o princípio expresso com tanta elegância por um outro grande
filósofo francês, Jacques Maritain: "O amor vale mais do que a
inteligência" (Jacques Maritain, Reflexões sobre a inteligência,
1938).
Os vossos esforços, caros participantes, são um exemplo
brilhante de uma política sadia que quer inscrever as novidades tecnológicas
num projeto que visa o bem comum, para "abrir caminho a oportunidades
diferentes, que não implicam frenar a criatividade humana nem o seu sonho de
progresso, mas orientar esta energia por novos canais" (Laudato
si', n. 191).
Estou convencido de que a inteligência artificial pode
tornar-se um instrumento poderoso para os cientistas e os peritos que procuram
em conjunto soluções inovadoras e criativas a favor da eco sustentabilidade do
nosso planeta. Sem esquecer que o consumo de energia associado ao funcionamento
das infraestruturas de inteligência artificial é, em si mesmo, muito elevado.
Já na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2024,
dedicada à inteligência artificial, salientei que "nos debates sobre a
regulamentação da inteligência artificial, dever-se-ia ter em conta as vozes de
todas as partes interessadas, incluindo os pobres, os marginalizados e outros
que muitas vezes permanecem ignorados nos processos de decisão globais". (Mensagem
para o 57.º Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2024). Nesta
perspectiva, faço votos que a cimeira de Paris se empenhe na criação de uma
plataforma de interesse público sobre a inteligência artificial; e para que
cada nação possa encontrar na inteligência artificial um instrumento de por um
lado desenvolvimento e por outro de luta contra a pobreza, e de tutela das
culturas e das línguas locais. Só assim todos os povos da terra poderão
contribuir para a criação de dados, que serão utilizados pela inteligência
artificial, representando a verdadeira diversidade e riqueza que caracterizam
toda a humanidade.
Este ano, o Dicastério para a Doutrina da Fé e o Dicastério
para a Cultura e a Educação colaboraram na redação de uma Nota sobre
"Inteligência Artificial e Inteligência Humana". Nesse documento,
publicado a 28 de janeiro, foram examinadas diversas questões específicas
relativas à inteligência artificial, que a atual cimeira está a abordar, bem
como outras que me preocupam particularmente. Para o futuro, espero que os
trabalhos das próximas cimeiras, que deveriam dar seguimento à presente, examinem
mais detalhadamente os efeitos sociais da inteligência artificial nas relações
humanas, na informação e na educação. A questão fundamental, porém, continua e
continuará sempre a ser antropológica, ou seja: se "o homem, enquanto
homem", no contexto do progresso tecnológico, se tornará
"verdadeiramente melhor, isto é, mais amadurecido espiritualmente, mais
consciente da dignidade da sua humanidade, mais responsável, mais aberto para
com os outros, em particular para com os mais necessitados e os mais
fracos". (Carta encíclica Redemptor
hominis, n. 15). O nosso desafio último é o homem e continuará a ser
sempre o homem; nunca o esqueçamos. Obrigado, senhor Presidente, e obrigado a
todos os que contribuíram para esta Cimeira.
Vaticano, 7 de fevereiro de 2025
Francisco