A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil | Flickr-Photos/Opus Dei
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A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil
1974. São Josemaria Escrivá esteve 15 dias no Brasil. Que mensagem
deixou aos brasileiros? Qual foi a sua impressão sobre o país? Este artigo
inédito descreve como foram organizados os encontros com o fundador do
Opus Dei em São Paulo, e resume a sua mensagem.
29/08/2017
O desenrolar dos eventos
No dia 1o de junho, sábado de manhã, vários membros da Obra estavam no
Anhembi já por volta das 8 horas, para receber as pessoas, pois muitos chegaram
ao local com bastante antecedência, e para cuidar de todos os últimos detalhes
dos aspectos técnicos e logísticos[63]. «O palco,
enorme, estava instalado como uma sala de estar, com muitíssimas flores [...] e
ficou muito agradável. [...] Estava um dia maravilhoso, com um céu azul limpo,
o típico dos bons dias de inverno em que o vento leva para longe a poluição. O
auditório ia engolindo rios de gente – famílias inteiras, grupos de amigos,
gente de todas as idades, raças e condições... – até acomodar umas 4.000
pessoas»[64].
«O Padre [J. Escrivá] saiu de casa às 10h15 e entrou no Anhembi pela
entrada que fica no lado de trás do Palácio de Convenções. Lá estavam alguns à
sua espera, para acompanha-lo como “seguranças” até uma sala contígua ao palco.
No percurso até lá, já se tinha situado um bom número de pessoas, que iriam
ficar no palco – na “sala de estar” da tertúlia [...] – junto ao Padre»[65]. Ao
chegar, mons. Escrivá acomodou-se em uma sala preparada para isso, à espera do
horário programado para começar, estava «muito bem humorado, brincando com os
que lhe tiravam fotografias e acalmando-nos com o seu sorriso. Quando entrou no
auditório, foi recebido com um aplauso cerrado, que se prolongou por um bom
tempo. Eram 10h30 horas»[66].
O encontro desenrolou-se muito bem, 16 pessoas puderam dirigir-se a São
Josemaria, como analisaremos mais adiante. Ao terminar a tertúlia, a alegria e
a emoção de todos era visível. As pessoas saíam sem pressa, cumprimentavam-se e
reuniam-se para comentar o que acabavam de ouvir. Narra o diário da Casa Nova:
«Quando terminou a tertúlia, ficamos um bom tempo nos jardins que rodeiam o
Palácio das Convenções, com nossas amigas. Famílias inteiras desde os avós aos
netos, todos iam fazendo pequenos grupos comentando com animação sobre este
maravilhoso encontro com o nosso Padre»[67].
Particularmente, os organizadores estavam assombrados com a multidão que «se
tinha reunido à volta do Padre. Lembrávamo-nos então da natural apreensão de
uns dias antes, quando contemplávamos o gigantesco local vazio. Foi maravilhoso
ver como os espaços se tinham tornado pequenos para escutar o Padre»[68]. São
Josemaria estava igualmente contente ao voltar ao Sumaré: pela sintonia das
pessoas, o calor humano e, também, por perceber que a barreira linguística fora
ultrapassada com facilidade. Inclusive, na espera do almoço, sugeriu que
trouxessem algum refrigerante, como se quisesse celebrar aquele evento
maravilhoso[69].
No dia seguinte, domingo de Pentecostes, já vencidas as apreensões da
primeira tertúlia geral, os preparativos imediatos se desenvolveram de forma
similar. O afluxo de gente, mais uma vez, superou as expectativas. Conta o
diário da sede da Comissão, que acontecera o mesmo que no dia anterior: desde
cedo começavam a chegar pessoas ao edifício Mauá, em um número muito acima do
esperado. Desde as seis horas da manhã, os organizadores colocaram mais
quinhentas cadeiras, além das próprias do auditório, ajeitando-as mais próxima
do palco, tentando assim criar um ambiente mais familiar[70]. O local,
muito menor que o Anhembi, tinha sido pensado para os que não tinham podido ir
neste primeiro encontro, mas foram outras tantas pessoas que desejavam estar
com mons. Escrivá mais esta vez[71].
Mons. Josemaria Escrivá saiu do Sumaré às 10h30 em direção ao Palácio
Mauá. Sendo o dia da Solenidade de Pentecostes, logo após o café, São Josemaria
escrevera uma ficha com estas palavras: «Ure ígnea Sancti Spiritus!
Pentecostes, Sancti Pauli, 1974. Mariano» e deu-a ao pe. Xavier de Ayala. «No
carro, referiu-se ao sacerdócio real dos fiéis, recordando as palavras da
Primeira Epístola de São Pedro. Era um tema que, neste dia, o Padre teria bem
presente na alma e nos ajudaria a meditar»[72]. Por isso,
nas suas primeiras palavras da tertúlia, mons. Escrivá relacionou diretamente o
evento de Pentecostes com a grande variedade de raças que convivem em harmonia
no Brasil[73]. O «clima
vibrante, ardente, apostólico, da festa de Pentecostes foi o tempo todo o pano
de fundo da mesma. [...] Foi vivíssima, intensa, enormemente cálida. [...]
Quando o Padre entrou no auditório, a alegre expectativa transformou-se num
instante de silêncio emocionado, que explodiu logo a seguir num mar de
aplausos. No momento em que subiu ao palco, uma menininha que ia levada pela
mão da avó, entregou ao Padre uma orquídea. O Padre deu-lhe uma carinhoso
abraço e a abençoou»[74].
A tertúlia beneficiou-se do clima de confiança criado no dia anterior.
Desta vez, 17 pessoas fizeram perguntas a mons. Escrivá e, ao final, a alegria
de todos era grande. Já na sede da Comissão, comentaram muito a respeito da
tertúlia, dando graças a Deus pelos seus frutos. O fundador também estava
comovido, pois tinha sido uma tertúlia realmente calorosa. Contudo, de forma
natural, em um momento de descontração, enquanto alguns observavam as araras
que então ficavam no jardim da casa, contou que naquela noite não havia
dormido. «Não conto para que se compadeçam de mim», fazia a ressalva com toda
naturalidade[75]. O pe.
Francisco Faus testemunhou a respeito, manifestando que ele e outros que fazia
tempo conheciam São Josemaria ficaram assombrados por aquele comentário pois
nunca o tinham visto tão bem disposto, cheio de entusiasmo contagiante, tão
ágil e rápido de pensamento e de palavra como nesse dia de Pentecostes[76]. Completa
o autor dizendo que a maioria dos que estavam lá sentiram e comentaram a mesma
coisa[77].
O diálogo com São Josemaria
Mediados por um intervalo de apenas 24 horas, os dois encontros tiveram
um grande paralelismo: foram 16 perguntas no Anhembi, e 17 no Palácio Mauá.
Podemos analisar o diálogo e a mensagem destas tertúlias conjuntamente, como se
fossem um mesmo encontro, com um grande intervalo. As intervenções do público,
bem como as respostas de São Josemaria seguiram um mesmo estilo direto,
familiar, ainda que, surpreendentemente, não ocorreram repetições de perguntas.
As pessoas que se dirigiram a mons. Escrivá nos dois encontros gerais eram de
perfis bem distintos: desde uma mãe de família a um empresário, uma empregada
doméstica, juízes, professores, etc... Embora não deixe de ser interessante dar
notícias destas pessoas, isso ultrapassaria muito o alcance do presente artigo.
São Josemaria Escrivá fez, em cada uma das tertúlias, um brevíssimo
prólogo, com simpatia, incentivando a que lhe perguntassem, que cada um falasse
do que tivesse no coração. «Não vim ao Brasil ensinar nada»[78], disse ao
iniciar seu encontro no sábado. No dia seguinte, no Palácio Mauá, a mesma
coisa: «Estamos reunidos para falar das grandezas de Deus; não do que eu
queira, mas do que interessa a vocês»[79]. De fato,
era patente o seu “agradecimento” ao final dos dois encontros, como relatam os
que estiveram ao seu lado. Após o encontro no Anhembi, relata o diário da
Comissão que «um grande grupo acompanhou-o até o carro, e o Padre [J. Escrivá]
ia repetindo, também dentro do automóvel, muito comovido: − “Dios os bendiga!
¡Dios os bendiga!”»[80].
Foram as intervenções do público que deram a pauta daquela conversa,
muito natural e familiar, de uma intimidade quase inexplicável para um público
desconhecido, numeroso, que falava outro idioma e em um local nada propício a
este tipo de diálogo. Muitas das perguntas abordaram temas pessoais, em tom
confidencial. Ao contrário de deixar o interpelado constrangido, levavam-no a
responder também pessoalmente, de uma forma paternal e carinhosa. Muitas vezes,
mons. Escrivá brincava com o interlocutor dizendo que ninguém mais os estava
escutando, convidando-o a abrir- se, a fazer a sua confidência. Na primeira
intervenção no Palácio Mauá, quando a mulher que perguntava dava claras mostras
de nervosismo, ele animava: «Estamos em família, como se estivéssemos você e eu
sozinhos, com Nosso Senhor que nos escuta e o Espírito Santo que habita na sua
alma e na minha»[81].
Das 33 perguntas respondidas pelo fundador nas duas tertúlias, 12
trataram do tema da família. Destas, 4 foram sobre a educação das crianças na
família, 3 sobre o relacionamento entre marido e mulher, e 4 sobre a relação
entre pais e filhos já adultos, sendo que três destas abordaram o tema da
vocação dos parentes próximos. Uma pessoa perguntou sobre o valor do trabalho
das pessoas que se dedicam profissionalmente às lides domésticas. Entendemos
por que o diário do centro da Casa Nova afirma categoricamente: «O tema central
desta tertúlia esteve especialmente relacionado com a família»[82]. Veremos
mais adiante, porém, que a vida familiar serviu apenas como pano de fundo para
os distintos temas abordados por São Josemaria. Outras 11 abordam a caridade e
o apostolado, tocando em distintos problemas do relacionamento humano ou
pedindo orientações para que se pudesse esclarecer equívocos morais ou
doutrinais. Quatro perguntas entraram em temas relacionados com a luta
ascética: como estar alegre nas contrariedades, ou como cumprir os propósitos
ou fazer as coisas mesmo quando não se tem vontade. Três perguntas foram sobre
vida de oração, e apenas uma pergunta tratou diretamente sobre o Opus Dei,
quando pediram-lhe que fizesse um resumo do espírito da instituição, ainda que
outras perguntas exigiram-lhe um esclarecimento sobre o modo de viver e fazer
apostolado próprios do Opus Dei.
As quatro perguntas restantes que não se encaixaram nos temas citados
abordaram os cinquenta anos de sacerdócio que celebraria dentro de alguns
meses, suas expectativas sobre o Brasil, sua opinião sobre a Escola Taboão, até
uma divertida pergunta sobre os cabeludos. Essas perguntas, tocando em temas
pessoais ou pedindo uma “opinião”, deram ocasião a comentários autobiográficos.
Aliás, em muitas outras respostas são abundantes as referências à sua própria
vida, em um tom sobrenatural e de ação de graças, vista como instrumento de
Deus para levar adiante o Opus Dei na terra.
Como dissemos, foram as próprias perguntas que definiram a pauta do que
falou mons. Escrivá, e a leitura da transcrição nos leva a pensar que ele não
tinha uma mensagem previamente preparada, a não ser a de levar a Deus, fazer
crescer a esperança e a fé em todos que lhe escutavam. Alguns recordam que ele
não sabia previamente o que iam perguntar-lhe[83]. E suas
respostas foram dirigidas a cada pessoa que lhe perguntava; poucas vezes
generalizava, lembrando, de certo modo, o modo de atuar de Jesus Cristo, como
nos deixam entrever os Evangelhos. Esse modo de dialogar, com intervenções
incisivas, concretas, personalizadas e, ao mesmo tempo, repletas de alusões a
outros temas e digressões, torna muito difícil responder quais foram os temas
mais importantes. Basta a leitura destes diálogos para percebermos uma
extraordinária empatia com cada pessoa, o que levava a uma enorme riqueza e
vivacidade no seu modo de abordar os temas. A impressão que temos é que não
transmitia uma mensagem geral a todos, mas orientava a cada um que se dirigia a
ele.
Muitos se admiraram com esta demonstração de caridade de São Josemaria.
«A nenhum dos que lá estiveram passou inadvertido – e assim o comentavam – o
delicado esforço que o Padre fez para se fazer entender: contendo o ritmo das
frases, repetindo-as quando era necessário, “traduzindo” logo depois que
empregava uma palavra ou expressão menos frequente»[84]. No
encontro de domingo também impressionou o «modo como o Padre se dava a todo o
momento, sem parar, mesmo quando, como hoje, tinha motivos de sobra para se
sentir muito cansado»[85]. De fato,
ao entrar no carro para retornar à casa disse, satisfeito, que tinha falado com
claridade e caridade, e não faltam expressões de admiração no diário da
Comissão: «Essa clareza e essa caridade vinham tocando fundo, com a graça do
Senhor, nestes dias, os corações e as vidas de milhares de pessoas»[86]. E da
Assessoria Regional: «Como ontem, ninguém tinha pressa de ir embora. Havia uma
comoção geral, um ambiente inexplicável, como se tivéssemos vivendo o primeiro
Pentecostes...»[87].
Como se pode perceber, seria muito difícil descrever, nos limites deste
artigo, algo tão expressivo e afetuoso como uma mensagem vital que se pode
admirar diretamente pelos vídeos. Entretanto, podemos apontar, depois de uma
leitura minuciosa das tertúlias gerais, alguns temas que, segundo nossa
opinião, acabaram sendo mais ressaltados. Esse esforço tem seu interesse, pois
uma análise conjunta do conteúdo das suas palavras nestes dois encontros gerais
poderia desvendar o que passava na sua alma naquele momento, o que mais
desejava transmitir aos brasileiros. Propomos reunir os temas em cinco grupos:
o amor a Deus, vida de oração e santidade; a fé, amor à Igreja e os
sacramentos; a santificação do trabalho e a luta ascética; caridade e
apostolado e o espírito do Opus Dei. Passemos a descrever cada um destes
tópicos, para fazer uma análise final.
____________
Alexandre Antosz Filho, sacerdote. Licenciado e bacharel em História
pela Universidade Federal do Paraná, mestre em História pela Universidade de
São Paulo e doutor em Teologia (especialidade em História da Igreja) pela
Pontificia Università della Santa Croce (Roma). e-mail: alexantosz@gmail.com
Notas:
[63] Diário
da primeira estadia, pp. 86-87; Diário da Casa Nova, 2a parte,
p. 7
[64] Diário
da primeira estadia, p. 87. O Diário da Casa Nova, 2a parte, p.
7, também fala de 4.000 pessoas.
[65] Ibid.
[66] Diário
da primeira estadia, pp. 86-88.
[67] Diário
da Casa Nova, 2a parte, p. 8. Nosso Padre é uma forma carinhosa com a qual
os membros do Opus Dei chamam a São Josemaria.
[68] Diário
da primeira estadia, pp. 88-89.
[69] Entrevista
com Alfredo Canteli, 9 de junho de 2014.
[70] Diário
da primeira estadia, p. 96.
[71] Diário
da Casa Nova, 2a parte , p. 9.
[72] Diário
da primeira estadia, p. 95.
[73] Diário
da primeira estadia, p. 96.
[74] Diário
da primeira estadia, p. 97.
[75] Entrevista
com Alfredo Canteli, 9 de junho de 2014.
[76] Cfr.
Faus, São Josemaria, p. 48.
[77] Cfr. ibid.,
p. 49.
[78] «No
he venido al Brasil a enseñar nada». Transcrição da tertúlia geral com mons.
Escrivá no Centro de Convenções Anhembi, São Paulo, 1 de junho de 1974, p. 1,
3o parágrafo [tradução nossa]. Passaremos a citar apenas Anhembi, seguido da
página e do parágrafo.
[79] «Estamos
reunidos para hablar de las grandezas de Dios; no de lo que yo quiera, sino de
lo que a vosotros os interese». Transcrição da tertúlia geral com mons. Escrivá
no Palácio Mauá, p. 1, 4o parágrafo [tradução nossa]. Passaremos a citar apenas
Mauá, seguido da página e do parágrafo.
[80] Diário
da primeira estadia, pp. 89-90.
[81] Faus, São
Josemaria, p. 49.
[82] Diário
da Casa Nova, 2a parte , p. 7.
[83] Entrevista
com José María Córdova Fernández, 18 de fevereiro de 2014.
[84] Diário
da primeira estadia, p. 89.
[85] Diário
da primeira estadia, p. 98. Sobre o contexto desta tertúlia, ver também
Faus, São Josemaria, pp. 47-52.
[86] Diário
da primeira estadia, p. 98.
[87] Diário
da Casa Nova, 2a parte, p. 9.
Fonte:
https://opusdei.org/pt-br