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sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Tolerância em um Mundo Plural

Um mundo plural (Mais Que Dois)

TOLERÂNCIA EM UM MUNDO PLURAL

Dom João Santos Cardoso

Arcebispo de Natal (RN)

No mundo contemporâneo, marcado pela convivência de múltiplas culturas, religiões e ideologias, a tolerância emerge como uma virtude indispensável para promover o convívio pacífico, especialmente diante do agravamento das polarizações ideológicas amplificadas pelas novas mídias de comunicação e pelo controle exercido pelas Big Techs. Com base nas reflexões de Tomáš Halík, em Quero que sejas. Podemos acreditar no Deus do Amor? (2018), pode-se entender a tolerância ocidental moderna como um caminho para vivenciar o respeito ao diferente e desenvolver a capacidade de acolher o outro.

A tolerância, conceito típico do Ocidente moderno, enraizado no Iluminismo e nos conflitos religiosos decorrentes da Reforma Protestante, foi explorado por John Locke e está associada à ideia de “suportar” ou “aguentar” aquilo que nos desafia, como observa Tomáš Halík. Embora tenha se mostrado eficaz na redução de conflitos abertos, essa forma de tolerância muitas vezes não resolve o problema de fundo, resultando em guetos culturais que promovem apenas um convívio lado a lado, sem construir comunidades verdadeiras. No mundo contemporâneo, transformado em uma “aldeia global”, essa abordagem torna-se insuficiente, pois a proximidade inevitável entre pessoas e culturas intensifica os conflitos e demanda um modelo que vá além da mera convivência, promovendo o respeito mútuo e o acolhimento genuíno da alteridade.

A tolerância de Locke, como lembra Ulrich Beck, funcionou em contextos religiosos homogêneos, mas se mostra insuficiente no cenário globalizado e multicultural. A “aldeia global” exige regras que vão além do simples “não perturbar os círculos dos outros”. Precisamos de um modelo que promova o diálogo e a cooperação genuína entre culturas e tradições diversas.

O multiculturalismo ocidental, fundamentado na tolerância, enfrenta sérias dificuldades em sociedades marcadas por conflitos religiosos e culturais intensos. Halík critica o que chama de “imperialismo do amor”, uma postura que, em nome de uma fraternidade universal, busca minimizar as diferenças ao enfatizar apenas as semelhanças. Um exemplo disso é o conceito de “cristãos anônimos” de Karl Rahner, que, embora reconheça a bondade no outro e sugira semelhanças entre tradições religiosas, pode ser percebido como uma forma de arrogância. Essa abordagem, ao tentar enquadrar outras tradições nos moldes do cristianismo, muitas vezes desconsidera a singularidade e a autonomia espiritual do outro, reduzindo a riqueza da diversidade a uma uniformidade superficial. Em vez de promover um diálogo autêntico e respeitoso, ela pode ser interpretada como desrespeitosa, negando a alteridade e o direito do outro a manter sua identidade própria.

A tolerância ocidental, em sua forma iluminista, muitas vezes cai no relativismo, resumido no mantra “cada um tem sua própria verdade”. No entanto, Halík nos adverte que esse relativismo pode obscurecer o verdadeiro encontro com o outro. A verdade, como valor supremo, exige uma busca ativa, que respeite as diferenças e permita o crescimento mútuo.

O modelo ideal de convivência deve ir além da mera tolerância, que muitas vezes se limita a uma aceitação passiva, e do chamado “imperialismo do amor”, que tenta homogeneizar as diferenças em nome de uma fraternidade universal. A tradição cristã propõe algo mais profundo: o amor aos inimigos. Esse amor, incondicional e universal, não busca assimilar ou negar o outro, mas reconhecê-lo em sua dignidade e alteridade.

Esse desafio, mais complexo do que parece, exige um respeito genuíno pela autonomia espiritual e cultural do próximo, como enfatiza o filósofo Emmanuel Lévinas. O verdadeiro amor não reduz o outro à nossa visão ou entendimento, mas valoriza a sua singularidade. Como sugere Tomáš Halík, um amor autêntico é aquele que oferece espaço para o outro, respeitando sua autonomia e promovendo uma integração que acolha as diferenças sem anulá-las. Esse tipo de amor, fundamentado no respeito e na confiança mútuos, é indispensável para a construção de uma convivência verdadeiramente humana. Em última análise, no mundo atual, tão interconectado quanto vulnerável aos conflitos, é imperativo ir além da tolerância entendida como mera “paz armada”. Precisamos de uma ética do amor que reconheça o outro em sua singularidade e dignidade, construindo pontes que integrem as diferenças sem apagá-las.

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A menina que está no limiar

Lila Azam Zanganeh  (copyright: Hank Gans © 2025)

A escritora iraniana Lila Azam Zanganeh e sua experiência no Jubileu da Comunicação.

Andrea Tornielli

"Eu me senti como uma menina acolhida numa casa que também poderia ser dela..." A escritora Lila Azam Zanganeh é um apaixonado rio de palavras, nenhuma delas parece demais. Seus grandes olhos escuros examinam o interlocutor para ler seu coração. Ela nasceu em Paris, filha de pais iranianos, lecionou literatura e cinema em Harvard, vive entre Roma, Paris e Nova York e fala sete idiomas. Ela é uma mulher do mundo que conhece o mundo, mãe de um menino de dois anos. Nos últimos dias, ela participou do Jubileu da Comunicação junto com outros membros da “Narrative 4”, organização sem fins lucrativos fundada pelo escritor Colum McCann para promover a empatia e a compreensão recíproca por meio do compartilhamento de histórias pessoais.

"Vir ao Jubileu", disse com emoção, "para mim foi talvez um dos acontecimentos mais importantes da minha vida, junto com o nascimento do meu filho dois anos atrás. Nasci em Paris, minha mãe iraniana frequentou escolas católicas em Teerã e, desde a infância, ela me ensinou uma fé muito aberta. Estudei numa escola católica. Mas ninguém nunca me disse que eu... não era católica!"

Quando Lila tinha nove anos, ela “descobriu” que não podia comungar, porque não era batizada. E a prática prevê que a pessoa tem de esperar até completar quinze anos para ser batizada. "Lembro-me que mais tarde, na França, fiz o catecismo. Certa vez, na aula, fiz uma pergunta: “Por que somente Cristo é filho de Deus? Não somos todos filhos de Deus?” A catequista – talvez pensando também no meu sobrenome – respondeu: “Se você diz estas coisas, não deve estar aqui”. É uma lembrança desagradável. "Mas por algum milagre e talvez por causa da fé da minha mãe, continuei esta relação muito profunda com o cristianismo. Vocês podem imaginar minha emoção ao chegar aqui para o Jubileu!"

Lila sempre acompanhou o testemunho do Papa com atenção e simpatia. "“Um padre da Amazônia me disse um dia: ‘Com este Papa há a lei do coração, e no seu coração você já é cristã.’ Fiquei muito impressionada com a visão inclusiva de Francisco, sua insistência em dizer que devemos sair para partilhar a mensagem de Jesus. Fiquei profundamente comovida quando ele falou de um Deus que bate à porta porque quer sair e alcançar a todos."

Na sexta-feira, 24 de janeiro, o primeiro gesto do Jubileu dos Comunicadores foi a vigília penitencial em São João de Latrão. "Vou muitas vezes à missa, mesmo sabendo que “tecnicamente” não sou católica", disse a escritora, "e posso dizer que o serviço litúrgico a que participei em São João de Latrão foi o mais bonito que já vivi. De repente, fomos informados de que havia sessenta padres disponíveis para confissões, e uma amiga minha da “Narrativa 4”, Rosa, que é muito católica, foi imediatamente se confessar. Quando ela voltou, perguntei se tinha sido legal. Ele respondeu: “Muito.” Eu disse a ela: “Eu não sou estritamente católica… você acha que eu também posso ir?” Ela é muito específica sobre essas coisas, eu esperava que ela me respondesse: absolutamente não! E em vez disso ela me disse: 'Sim, você pode ir.'"

Lila, a antiga menina que queria comungar, mas não pôde fazer porque não era batizada, levantou-se e se aproximou de um dos padres. "Entrei na fila para a língua francesa. Cheguei diante desse padre congolês e a primeira coisa que lhe disse foi: “Padre, meu primeiro pecado, antes de tudo, é não ser católica. Mas eu tenho a fé cristã em meu coração." Ele respondeu: “Somos todos pecadores e na casa de Deus você é bem-vinda”. Ele começou a rezar. Foi um momento tão bonito que comecei a chorar, mas de alegria. Ele me disse coisas maravilhosas. Convidou-me a permanecer em contato com o Espírito Santo, conversamos sobre o amor que às vezes permanece desiludido. Ele me disse que o outro sempre faz parte de nós e me lembrou do mandamento do amor. Eu chorava de alegria e no final também ria e agradecia, porque foi um grande momento de alegria."

Na manhã de segunda-feira, na audiência com um grupo de comunicadores, Lila encontrou pessoalmente o Papa Francisco e lhe contou um pouco de sua história. "Ele olhou para mim, convidou-me a seguir em frente e a ter coragem. Até o meu confessor congolês captou o espírito do Papa com essa abertura incrível, como alguém que está fora e dentro ao mesmo tempo, para ir “além”. E assim, no abraço do Jubileu e daquela confissão, Lila sentiu-se como uma menina que ainda está no limiar, mas se sente acolhida e bem-vinda numa casa que também poderia ser a sua. Está no limiar, como o grande escritor católico francês Charles Péguy, autor de páginas inesquecíveis pela profundidade do seu olhar e da sua fé, que permaneceu nessa condição durante toda a sua vida sem poder aproximar-se dos sacramentos porque era casado civilmente com uma mulher ateia e com três filhos não batizados. A propósito dos três anos da vida pública de Jesus, Péguy escreveu: "Ele não os usou para lamentar e acusar a maldade dos tempos. (...) Ele não incriminou, não acusou ninguém. Ele salvou. Não incriminou o mundo. Salvou o mundo. Esses outros, em vez disso, insultam, argumentam, incriminam. Como médicos abusivos, que descontam no doente. Acusam as areias do século, mas mesmo no tempo de Jesus havia o século e as areias do século. Mas na areia árida, na areia do século, uma fonte inesgotável foi derramada, uma fonte de graça."

Essa graça que reverbera nas palavras e no rosto emoldurado por longos cabelos pretos de uma escritora que “tecnicamente” não é católica. Em seu coração, uma noite em São João de Latrão, o mundo e a graça se abraçaram a ponto de se tornarem quase indistinguíveis.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

O outro lado da história: morte e ressurreição

O outro lado da história (Opus Dei)

O outro lado da história: morte e ressurreição

Todo ser humano deseja a plenitude de vida. Qual é a relação deste anseio com a morte e ressurreição de Cristo? A morte é o único limite para o progresso? Por que a ressurreição de Jesus é decisiva? Em que consiste “o novo céu e a nova terra”?

28/05/2019

Provavelmente já assistimos a um filme, lemos um livro ou jogamos algum videogame em que aparece oelixir da longa vida. Com esta expressão, alcunhada faz séculos, tratava-se de descrever a procura dos alquimistas por um medicamento também chamado “panaceia”, que permitisse ao ser humano viver para sempre. Na nossa época existe uma corrente de pensamento – chamada Trans-humanismo – que constitui uma versão atualizada desta pretensão, e que se caracteriza pelo seguimento de três grandes objetivos para a aparição de uma humanidade perfeita: a super longevidade, o super conhecimento e o super bem-estar; em outras palavras: a procura de uma vida em plenitude.

Progresso versus morte: limite ou ponto de partida?

Porque, depois de tantos séculos de progresso, continuamos procurando fins não atingidos? É evidente que o homem é um ser insatisfeito. É um ser que, embora consiga um nível de vida e de felicidade que poderia ser considerado satisfatório, nunca se sente totalmente satisfeito: quer conhecer mais, viver cada vez melhor e para sempre. Com o desenvolvimento científico e tecnológico, os conhecimentos se ampliaram notavelmente, e também a capacidade de evitar a dor ou de combatê-la. No entanto, mais cedo ou mais tarde, a existência terrena acaba encontrando um obstáculo que até agora nenhum ser humano conseguiu ultrapassar: a morte.

JESUS CRISTO NÃO SÓ SUPEROU A MORTE COMO LIMITE, COMO NOS CONVIDA A PARTICIPAR DE SUA VITÓRIA

A morte parece algo profundamente injusto, que nunca deveria acontecer. E, no entanto, se de algo temos certeza nesta vida, é que um dia morreremos. Nosso ser está aberto a uma perfeição que fica truncada pela morte. Por isso, os povos de todos os tempos e culturas desenvolveram modos de lidar com aquilo que transcende esta vida, desdobrando o sentido religioso que está ancorado na natureza humana. As representações do Além são variadas no panorama religioso da humanidade e dão testemunho desse desejo humano de infinito; ao mesmo tempo, nenhuma delas consegue demonstrar que é a única realmente verdadeira.

Neste vasto horizonte, o cristianismo chega com uma força inusitada: afirma que houve um homem que superou a morte como limite; que, vencendo a morte, obteve uma vida que dura para sempre. Esse homem é Jesus Cristo. Mas além disso afirma que Jesus prometeu aos que viverem com Ele e seguirem o seu exemplo, poder participar dessa nova existência que vence a morte.

Perante a morte de uma pessoa amada, com frequência escutamos uma frase como: “a sua desaparição foi uma grande perda”. A morte de um ser humano é injusta, pois cada um é um exemplar único, e, portanto, a sua desaparição do mundo supõe um autêntico empobrecimento. Se isto é assim para nós, podemos dizer que a morte de Cristo foi o acontecimento mais injusto da história, pois a sua vida, como nos chegou através dos testemunhos da época, tem uma exemplaridade fora do comum, que foi reconhecida inclusive pelos que têm uma opinião negativa sobre o cristianismo.

Voltar às raízes

Algumas obras literárias descrevem esta busca humana como a tentativa de voltar a um paraíso perdido, como sugere o título do famoso livro de John Milton. Com isso fazem referência a diversas tradições que falam de uma época inicial paradisíaca da humanidade, que foi quebrada por um acontecimento que fez o homem perder a sua imortalidade e a sua bondade. A história de alguns personagens da mitologia grega, como Aquiles, insinua que o preço que o homem deve pagar para ser ele mesmo e não um ente sem características próprias no mundo divino é a aceitação da própria mortalidade. Por outro lado, no pensamento ilustrado é frequente encontrar a ideia de que o ser humano, para poder ser ele mesmo, precisa emancipar-se da sua origem, da sua dependência de um Deus ou de um contexto familiar que até então o protegeu. Subsistir por si próprio significa perder o medo de encarar a morte. As promessas da vida após a morte seriam, pois, uma volta às origens felizes. Lembremos que alguns clássicos literários de épocas muito diversas, desde a Odisseia até O Senhor dos anéis, se propõem como a volta do herói à casa.

Falou-se da busca de uma vida duradoura, de um bem-estar e de um conhecimento supremo. Pois bem, na realidade, a fé cristã nos diz que era exatamente isso o que o ser humano tinha nas suas origens remotas, quando foi criado por Deus em estado de inocência, que a doutrina da Igreja chama de “justiça original”[1]: além da amizade com Deus, o homem havia recebido os dons da integridade, conhecimento, impassibilidade e imortalidade. Foi o pecado, a desobediência a Deus (cfr. Gn 3, 6), o que provocou a expulsão do paraíso, e, por conseguinte, a perda do acesso à árvore da vida (cfr. Gn 3, 22-24). A Bíblia especifica a seguir que a história primordial não termina assim, de modo trágico, mas o próprio Deus cuida dos humanos cobrindo a sua nudez com roupas improvisadas (Gn 3,21), e prometendo-lhes um futuro redentor (cfr. Gn 3,15). Em efeito, Jesus Cristo, que se apresenta como “o último Adão” (1 Cor 15,45), novo início da humanidade, permanecendo ao mesmo tempo na sua condição divina, toma sobre si a condição humana (cfr. Flp 2,5-11), com esses efeitos de mortalidade, sofrimento e estar exporto à tentação, e realiza na sua vida o projeto de Deus, em plena obediência ao Pai até a entrega da sua própria vida. E graças a esse ato supremo de amor, vence a morte com a sua ressurreição, reabrindo as portas do paraíso aos homens, que agora podem ter acesso de novo à árvore da vida: os sacramentos, cuja fonte e cume é o alimento eucarístico[2]. Nele, de alguma forma, o Céu de Deus, o Paraíso, se une à terra que habitamos, enquanto esperamos a sua prometida manifestação gloriosa no fim dos tempos[3].

A Ressurreição: o mistério de Deus no mundo

A fé cristã fala, portanto, de um além que se torna presente em nosso aquém, de um Céu que, sendo promessa de algo completamente novo, que não pertence às categorias espaço-temporais do nosso mundo, e que ao mesmo tempo é algo que corresponde a um desejo profundamente enraizado no nosso ser. É verdade que Jesus, depois da sua ressurreição, ascendeu aos Céus, de onde voltará; esse mesmo Céu que acolheu Maria, que foi concebida sem pecado e portanto participa de modo eminente do mistério do seu Filho; porém é também certo, que esse Céu na verdade é o mistério de Deus que, ao mesmo tempo que é transcendente a este mundo, está completamente dentro dele, de modo que, paradoxalmente, agora Jesus se encontra mais perto de nós do que quando percorria os caminhos da Palestina[4].

O CÉU É O MISTÉRIO DE DEUS: AO MESMO TEMPO QUE É TRANSCENDENTE A ESTE MUNDO, ESTÁ COMPLETAMENTE DENTRO DELE

Com a sua ressurreição e a sua promessa, Jesus introduziu no mundo da nossa experiência, muitas vezes negativa por estar marcada pelas consequências do pecado nas nossas vidas (ignorância, dor, morte, etc.), uma nova esperança, real, pois a vida e a ressurreição de Jesus ocorreram na nossa história e, ao mesmo tempo, de algum modo a superam, porque a abrem ao que está além dela, do outro lado da história. Essa esperança é convincente porque Jesus deu a sua vida, e não existe nada mais digno de credibilidade neste mundo do que o exemplo, que ao ser de santidade – isto é, de caridade – é simplesmente incontestável. “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Por isso, o martírio, desde o início do cristianismo até hoje, constitui a maior demonstração da credibilidade e veracidade de uma fé pela qual uma pessoa é capaz de dar a vida.

Deste modo, entende-se que a vida eterna prometida por Jesus, por um lado já começou neste mundo para quem crê e, ao mesmo tempo, receberá uma plenitude transfiguradora que ainda não somos capazes de sonhar. “O que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu” (1 Cor,2,9). Se a imaginarmos com as categorias deste mundo, poderíamos supor um tédio por uma vida que consistiria em uma “sucessão contínua de dias do calendário”[5]. Mas não se trata de uma cópia desta vida, mas, acima de tudo, de um dom surpreendente, pelo qual vale a pena gastar a vida, pois amamos e confiamos em quem diz que nos tornará felizes. “Muito bem, servo bom e fiel, [...] Vem participar da alegria do teu senhor” (Mt 25,21-23). Quando duas pessoas formam um projeto comum de vida, uma diz a outra que a fará feliz, não porque pense que a outra pessoa será um meio para alcançar a felicidade, mas porque ocupar-se da felicidade do outro a fará feliz. Certamente, Deus já é feliz como comunhão trinitária de Pessoas; mas, ao mesmo tempo, quer fazer-nos participar da sua felicidade. E esta existência terrena, vivida por amor, é uma antecipação desta felicidade. Por isso, santo Agostinho dizia que “amando ao próximo limpas o olho para ver a Deus”[6].

Um novo Céu e uma nova Terra

Para poder ver Deus temos que continuar sendo criaturas de alma e corpo, e, portanto, é necessária uma ressurreição final, que consiste em que, sendo Deus Criador de tudo, a matéria, o cosmos e os nossos corpos, transfigurados, também possam participar da glória divina, como de fato já participa a humanidade de Jesus Cristo, que existe para sempre em Deus. Trata-se de algo muito importante para uma correta interpretação das implicações do cristianismo na sociedade, na história e na cultura: o “novo céu e a nova terra” (Ap 21,1) não serão algo completamente diferente, mas, de alguma maneira, o empenho para construir um mundo melhor acompanhará o homem na eternidade.

ENTENDE-SE QUE A VIDA ETERNA PROMETIDA POR JESUS, POR UM LADO JÁ COMEÇOU NESTE MUNDO PARA QUEM CRÊ

Portanto o homem é pai de si mesmo[7], pois as suas decisões o configuram, e isso quer dizer que constrói a sua eternidade por meio da sua atuação neste mundo, pois as suas ações configuram a sua pessoa. Por isso, ressuscitará não somente um corpo em sentido puramente material, mas todo o seu ser com a bagagem de toda a sua história[8]. Por isso é tão certeiro o convite a “viver cada instante com vibração de eternidade”[9].

Nenhuma doutrina suscitou tantas ironias dos pagãos nos primeiros séculos como a da ressurreição. Recordamos o que disseram a São Paulo: “A respeito disso te ouviremos ainda uma outra vez”; “o teu muito saber tira-te o juízo” (At 17,32; 26,24). No entanto, o dualismo entre matéria e espírito, que caracterizava a cosmovisão grega, não oferecia perspectivas de salvação da dimensão material, considerada como fonte do mal. As teorias antigas e novas, que prometem uma reencarnação também não satisfazem, pois embora pareçam valorizar a necessidade de a matéria estar presente no destino do homem, não parecem respeitar a verdadeira identidade do homem na união indissolúvel de corpo e alma.

Olhando para Cristo podemos compreender que a promessa da ressurreição é razoável, embora não esteja na mão do Homem alcançá-la, pois se trata de puro dom. Por isso, o cristianismo é uma proposta de sentido que, sem decifrar totalmente nesta vida os enigmas que rodeiam a existência, oferece uma esperança razoável de uma vida inextinguível, pela qual vale a pena seguir Jesus Cristo e dar a vida por Ele.

Santiago Sanz

Leituras recomendadas:

Bento XVI, Enc., Spe salvi, 30-XI-2007.

R. Guardini, El tránsito a la eternidad, PPC, Madrid 2003.

J. Ratzinger, Escatologia, La muerte y la vida eterna, Herder, Barcelona 1992, p.150.

P. O’Callaghan – J.J. Alviar, Breve y sencillo curso de escatología, em www.collationes.org. Roma 2013.


[1] Cfr. São João Paulo II. O pecado do homem e o estado de justiça original, Audiência geral, 3-IX-1986.

[2] Cfr. J. Ratzinger, escatologia, La muerte y la vida eterna, Herder, Barcelona 1992, p.150.

[3] Cfr. S. Hahn, O Banquete do Cordeiro, Cleofas.

[4] Cfr. J. Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré - da Entrada em Jerusalém até a Ressurreição, Planeta.

[5] Bento XVI, Enc. Spe salvi, 30-XI-2007, n. 12.

[6] Santo Agostinho, In Evangelium Ioannis Tractatus, 17, 8.

[7] Cfr. São Gregório de Nisa, De vita Moysis, 2,3.

[8] Cfr. R. Guardini, El tránsito a la eternidad, PPC, Madrid 2003.

[9] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 239.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/morte-vida-ressurreicao/

O afeto do Papa Francisco por São João Bosco

Foto/Crédito: Aleteia

Isabella H. de Carvalho - publicado em 30/01/25

O Santo Padre recordou os filhos espirituais de Dom Bosco como aqueles que o formaram "na beleza e no trabalho" e que lhe ensinaram a ser "muito alegre."

No dia 31 de janeiro é a festa de São João Bosco, um sacerdote e educador italiano do século XIX que dedicou sua vida ao cuidado de crianças e jovens. Ao longo de seu pontificado, o Papa Francisco tem expressado frequentemente sua proximidade e preocupação com as crianças e os jovens, citando São João Bosco como exemplo a ser seguido em diversas ocasiões.

Em uma entrevista ao jornal italiano La Stampa em janeiro 2024, o Papa Francisco elogiou o santo, destacando sua habilidade em fornecer aos jovens as ferramentas necessárias para que crescessem intelectualmente e na fé, apesar das circunstâncias difíceis:

“Diz a lenda que Dom Bosco disse: 'Se quiserem ajudar jovens, joguem uma bola na rua.' O fundador dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora soube chamar, envolver e entusiasmar meninos sem futuro, e dar-lhes um futuro. Como? Com os oratórios. Lá, os jovens jogavam, rezavam e aprendiam. Para milhares de pequenos abandonados, desesperados, destinados a uma vida de miséria e exclusão, Dom Bosco traçou o caminho para um futuro de dignidade e esperança. Ele lhes forneceu os instrumentos intelectuais e espirituais para superar os obstáculos e valorizar suas vidas.", afirmou o Papa.

"Pensemos neste grande santo"

O Papa Francisco tem elogiado o santo italiano diversas vezes, inclusive quando esteve em Turim em 2015 para o 200º aniversário do nascimento de Dom Bosco. "E convosco dou graças ao Senhor por ter oferecido à sua Igreja este santo que, juntamente com inúmeros outros santos e santas desta região, constituem uma honra e uma bênção para a Igreja [...] e para o mundo inteiro,  de maneira particular em virtude da atenção que ele prestou aos jovens pobres e marginalizados", afirmou o Papa aos seguidores de São João Bosco.

O Papa também mencionou, na introdução a um livro sobre São João Bosco lançado em 2019, que cursou a sexta série em uma escola salesiana na Argentina e elogiou o carisma dessa congregação. “Os Salesianos me formaram na beleza, no trabalho e a ser muito alegre”, escreveu ele.

Durante a oração do Ângelus de domingo, em 31 de janeiro de 2022, o Papa também recordou São João Bosco em sua festa, com palavras que seguem sendo atuais. “Pensemos neste grande santo, sacerdote e mestre da juventude. Ele não se fechou na sacristia, não se fechou nas suas coisas. Saiu às ruas à procura de jovens, com a criatividade que foi a sua característica.”

Persistência em um contexto difícil

São João Bosco nasceu em 1815 na região do Piemonte, no norte da Itália. Crescendo em uma família pobre, com pouca educação, ao tornar-se sacerdote em 1841, decidiu dedicar sua vida ao auxílio de meninos de origens desfavorecidas por meio de atividades recreativas, educativas e catequéticas. Fundou a Sociedade de São Francisco de Sales (conhecida como Salesianos de Dom Bosco) e as Filhas de Nossa Senhora Auxiliadora (as Irmãs Salesianas de Dom Bosco).

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/01/30/o-afeto-do-papa-francisco-por-sao-joao-bosco

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Qual é a idade certa para as redes sociais?

Maria Surtu | Shutterstock

Isabella H. de Carvalho - Bérengère de Portzamparc - publicado em 27/01/25

No Brasil, o governo passou recentemente uma lei que proíbe uso de celulares nas escolas. A Austrália proibiu o acesso às redes sociais para menores de 16 anos. Após os pais e cientistas, será que chegou a vez dos políticos finalmente se envolverem com o assunto?

Uma primeira na história das redes sociais. No dia 28 de novembro, o Parlamento australiano aprovou uma lei obrigatória para proibir as redes sociais para menores de 16 anos. O texto obteve amplo apoio entre os diversos partidos, o que mostra um consenso sobre os danos causados por plataformas como Instagram, X e TikTok entre os mais jovens. Por isso, o acesso a essas redes será agora proibido para menores de 16 anos, e as plataformas poderão ser severamente multadas, com multas de até 50 milhões de dólares australianos (cerca de 186 milhões de reais) caso não cumpram a lei.

Para os Australianos as redes sociais são fontes de ansiedade, favorecem a pressão social e, o mais grave, podem ser ferramentas para predadores online. O primeiro-ministro, Anthony Albanese, deseja “que os jovens voltem a frequentar os campos de futebol, críquete ou qualquer outro esporte”, em vez de passarem o tempo nas telas. Para ele, “uma maneira de alcançar isso é restringir o acesso às redes sociais”. Embora essa proibição seja, até o momento, a mais rigorosa do mundo, ainda faltam detalhes concretos sobre sua aplicação. Os decretos que irão detalhar a lei deverão ser conhecidos até o final de 2025, e já se sabe que o WhatsApp e o YouTube deverão ser isentos, pois são muito utilizados pelos alunos.

No Brasil

Embora a implementação ainda enfrente desafios, a questão tem ganhado relevância política, e o debate sobre os impactos das redes sociais na juventude se expandiu globalmente. A conscientização está claramente presente: as redes sociais são reconhecidas como prejudiciais ou até perigosas para os jovens.

No Brasil, há um projeto de lei sendo avaliado que propõe estabelecer 12 anos como a idade mínima para o acesso às redes sociais. Além disso, foi sancionada no início de janeiro pelo presidente Lula uma lei que proíbe o uso de celulares por estudantes nas escolas, mostrando uma conscientização sobre o assunto. Embora alguns estados já tenham adotado leis sobre o uso de celulares nas escolas, o governo planeja implementar a restrição em todo o país a partir do ano letivo de 2025.

Segundo o TIC Kids Online Brasil 2024, pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 93% da população brasileira de 9 a 17 anos usa a Internet, e 76% desses utilizam redes sociais.

Espanha, China, França

Outros países também estão se interessando por esse tema, e outras leis estão sendo preparadas, como na Espanha, onde o Conselho de Ministros aprovou em junho de 2024 um projeto de lei que define 16 anos como idade mínima para o acesso às redes sociais. Um sistema de identificação para bloquear o acesso dos menores está em fase de desenvolvimento.

Na China, o acesso de menores às redes sociais é proibido, e desde 2023, além da existência de um verdadeiro toque de recolher digital, os menores não podem acessar a Internet entre as 22h e as 6h da manhã. A versão chinesa do TikTok também é limitada a 40 minutos por dia. Quanto aos Estados Unidos, a ameaça de proibição do TikTok está mais ligada a questões de proteção de dados americanos e segurança interna do que à proteção dos menores. No entanto, alguns estados americanos já estão tentando proibir o acesso às redes sociais para menores de 16 anos, como na Flórida, onde uma lei deverá entrar em vigor no início de 2025.

Na França, o acesso às redes sociais é proibido antes dos 13 anos, mas, na prática, essa proibição é pouco respeitada. Uma lei aprovada em 7 de julho de 2023 estabeleceu a maioridade digital aos 15 anos.

As redes sociais terão que implementar uma solução técnica para verificar a idade de seus usuários e depois de promulgada, a lei dará um ano para as plataformas encontrarem soluções técnicas, mas, por enquanto, ela ainda não entrou em vigor.

Os perigos das redes sociais

Apesar do início de algumas iniciativas políticas, a realidade ainda está longe de ser segura no que diz respeito ao uso de telas entre os jovens, especialmente as redes sociais. Muitos cientistas já alertaram sobre os efeitos negativos, e até prejudiciais, das telas no desenvolvimento cognitivo das crianças: transtornos de atenção, dificuldades de aprendizagem e de concentração, os danos causados pelo tempo passado sem controle ou supervisão, etc. 

Sabine Duflo, psicóloga clínica e terapeuta familiar francesa, especialista em telas e fundadora do coletivo "exposição excessiva de telas" (CoSE), observa isso no dia a dia. Em entrevista à Aleteia, ela faz uma lista de várias patologias diagnosticadas em jovens que acompanhou, especialmente em uma unidade psiquiátrica fechada. A terapeuta enfatiza a importância da conscientização, tanto dos jovens e dos pais quanto dos políticos. “Todos nós conhecemos o slogan 'Se beber não dirija'. Para as telas, poderíamos adotar este: 'Assistir à tela ou educar um filho, é preciso escolher'", conclui ela.

O uso das redes sociais entre os jovens também é particularmente problemático. Segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde, publicado em 25 de setembro de 2024, 11% dos adolescentes apresentaram sinais de uso problemático das redes sociais em 2022, enquanto eram apenas 7% em 2018. “São comportamentos de vício e uso excessivo. Eu atendo jovens que ficam 10 a 15 horas por dia nas redes sociais! Isso compromete qualquer outra atividade, qualquer socialização, que é essencial nesta fase, em que o jovem precisa aprender a sair de casa, a se afastar dos pais para passar tempo com os amigos. Isso afeta também o sono, que é fundamental nessa fase para um bom desenvolvimento”, explica a psicóloga.

Então, qual a idade certa para as redes sociais?

Se o diagnóstico dos profissionais é claro e científico, basta perguntar aos pais para ver o impacto diário das telas sobre seus filhos. Nos Estados Unidos, um grupo de pais começou em 2017 a iniciativa "Wait until 8th" ("esperar até a oitava série"), onde se comprometem, assinando uma “promessa digital”, a não dar um smartphone ao filho antes dos 14 anos. O grupo já conta com quase 75 mil famílias.

Então, qual a idade para as redes sociais? Não antes dos 15 ou 16 anos, parece ser a resposta hoje de pais, profissionais e até alguns políticos que começam a tratar seriamente o tema. A conscientização está crescendo e é cada vez mais evidente que este é um verdadeiro desafio social e sanitário a ser enfrentado. Agora, resta aos políticos encontrar maneiras de implementar ferramentas reais de controle para proteger as novas gerações das redes sociais.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/01/27/qual-e-a-idade-certa-para-as-redes-sociais

IGREJA: A fé, de fato, ilumina tudo com uma luz nova (III)

Fé e a Verdade: A Compreensão que Transforma (Catequizar)

Arquivo 30Giorni nº. 01 - 1998

«A fé, de fato, ilumina tudo com uma luz nova... e, portanto, orienta a inteligência para soluções plenamente humanas»

Um diálogo com o cardeal Pio Laghi, prefeito da Congregação para a Educação Católica.

Editado por Giovanni Cubeddu Um diálogo com o Cardeal Pio Laghi

Igreja e mundo 

30GIORNI : O senhor foi o representante pontifício na Terra Santa há vinte e cinco anos. Naquela região, assim como em todo o mundo árabe, a comunidade cristã é uma minoria. Que significado têm as instituições teológicas e culturais católicas neste contexto?

LAGHI: Muitas coisas mudaram nos últimos vinte e cinco anos. Foram estabelecidas relações diplomáticas oficiais entre a Santa Sé e o Estado de Israel e, recentemente, as autoridades israelitas reconheceram a personalidade jurídica das instituições católicas presentes nesses territórios. Além disso, porém, parece-me que podemos sublinhar um duplo sentido da presença de centros culturais católicos na Terra Santa. Por um lado, há de facto cristãos que vivem e trabalham ali. É verdade que se trata de pequenas comunidades. Isto não significa que possam prescindir de ferramentas culturais que respondam às suas necessidades de aprofundamento da fé e de formação a vários níveis. Por outro lado, porém, não há dúvida de que esses locais têm uma relevância especial para três das principais tradições religiosas do mundo. É, portanto, importante que neste contexto não faltem aqueles que refletem sobre este facto desde um ponto de vista propriamente católico. É verdadeiramente uma oportunidade única para implementar um esforço de compreensão mútua a partir do vínculo particular que cada um percebe com aquela terra abençoada e, ao mesmo tempo, tão conturbada.

Deve-se acrescentar então que as escolas católicas desempenham uma missão muito particular, não só na Terra Santa, mas em todo o Médio Oriente e no mundo árabe. Muitas vezes constituem um dos poucos lugares de diálogo onde os estudantes cristãos e muçulmanos podem crescer juntos no respeito mútuo e num clima de fraternidade. Isto acontece também ao nível do corpo docente, que pode ver consagrados e consagradas, católicos, cristãos de outras confissões e não cristãos, trabalhando no mesmo projeto educativo, num clima de colaboração e estima. Finalmente, é necessário recordar que em alguns casos a escola católica é a única oportunidade dada para uma presença significativa da Igreja e para o testemunho evangélico.

30GIORNI : Nestes tempos de globalização do mercado, o senhor não acha que mesmo os círculos acadêmicos católicos são condescendentes ao defender teorias econômicas ultraliberais?

Por se tratarem de hipóteses culturais, aplica-se o princípio da liberdade. Nos juízos económicos e políticos, a legítima pluralidade de opções dos fiéis leigos é afirmada, com intuição verdadeiramente profética, pela carta apostólica Octogesima adveniens de Paulo VI. Mas assim como ele foi apropriadamente advertido contra a exploração do Santo Evangelho para lutas revolucionárias, então você não acha que seria igualmente apropriado alertar tais filósofos e/ou políticos que se declaram abertamente católicos, contra a exploração da Santa Igreja para o seu louvor de capitalismo prevalecente?

LAGHI: Parece-me que não faltam os princípios para tal alerta no campo económico. A partir de Leão XIII aparecem explicitamente no Magistério. João Paulo II, especialmente na encíclica Centesimus annus , reiterou-as com força. Sem prejuízo da legítima pluralidade de opções dentro das hipóteses culturais, a doutrina social da Igreja não pode apoiar nenhum sistema económico particular. Na constituição apostólica Ex Corde Ecclesiae , relativa às universidades católicas, são relatadas outras palavras do Papa que deveriam orientar também a investigação no campo económico: «É essencial que nos convençamos da prioridade do ético sobre o técnico, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria. A causa do homem só será servida se o conhecimento estiver unido à consciência. Os homens de ciência só ajudarão verdadeiramente a humanidade se preservarem o sentido da transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre o homem» (n. 18). Isto deveria ser suficiente para compreender que quando algum estudioso católico se pronuncia a favor de um ou outro sistema económico particular, fá-lo em nome de uma escolha pessoal, de uma responsabilidade pessoal, que não está autorizado a cobrir com qualquer pronunciamento. oficial da Igreja.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Jesus Cristo é a luz do mundo nos padres da Igreja

Jesus Cristo é a luz do mundo (CNBB Norte 2)

Jesus Cristo é a luz do mundo nos padres da Igreja

por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá

O evangelista São João coloca Jesus, luz do mundo, no debate com os judeus (cf. Jo 8,12). Ele veio até a realidade humana para nos revelar o amor infinito de Deus para com a humanidade, para nos libertar das trevas do pecado e levar-nos à comunhão com Deus. Nós somos chamados a viver a luz de Cristo em meio às ações boas, caritativas e problemáticas humanas, às mudanças climáticas, e a testemunhar as graças, os louvores a Deus Uno e Trino e à sua Igreja. O bom testemunho leva as pessoas ao contato com o Senhor, para a verdadeira luz, Jesus Cristo. Vejamos a seguir esta concepção nos santos padres, os primeiros escritores cristãos.

O significado da Luz, Jesus Cristo

Santo Ambrósio, bispo de Milão, no século IV disse ao público fiel, cristão de seu tempo, concepções essenciais sobre Jesus Cristo, como luz do mundo. O autor tinha presente a Palavra de Deus, que Jesus é o esplendor da glória do Pai (cf. Hb 1,3). Ele sendo Deus extrai a luz da luz (Jo 1,9). Ele veio do Pai, de modo que tudo o que o Filho tem é do Pai e tudo o que é do Pai é também do Filho. Jesus é a fonte da luminosidade, do brilho, dia que nunca termina[1].

O sol que ilumina

Santo Ambrósio também afirmou que Jesus é o verdadeiro sol, uma palavra profética presente em Malaquias (cf. Ml 3,20) que brilha com esplendor eterno. O Senhor é desde sempre junto com o Pai e com o Espírito Santo. Um pedido é feito do fundo do coração é para que Ele venha, infunda nos nossos corações e naqueles das pessoas da humanidade, a luz radiosa do Espírito Santo[2].

O dia seja na normalidade

Santo Ambrósio, pela oração dirigida ao Senhor pediu para que transcorra alegre o dia, na sua normalidade, que a modéstia seja como a luz do amanhecer. A pessoa faz o bem durante o dia de modo que o Senhor olhe para ela com fé com amor. A fé seja uma força para carregar com alegria os desafios diversos, o ânimo não conheça as trevas do pecado[3].

A aurora no seu caminho

Santo Ambrósio pediu ainda ao Senhor no seu hino de louvor ao Cristo como luz do mundo que a aurora prossiga no seu caminho, mostrando a luz que seguirá a aurora. O Filho está todo no Pai e todo o Pai está no Filho[4]. É a unidade perfeita na qual o Filho conhece o Pai, o revela para o mundo e às criaturas, sobretudo ao ser humano. Ele é de fato a luz do mundo que brilha nas trevas, levando as pessoas e os povos à luz divina, à luz do Deus Uno e Trino.

A ação das pessoas cristãs

A Carta a Diogneto, escrito do século II colocou a ação das pessoas cristãs no mundo, por causa de seu seguimento a Jesus Cristo, como luz do mundo: “Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes”[5]. A Carta reforçou o dado que os cristãos não possuíam cidades próprias, nem tinham uma língua estranha, nem tinham algum modo especial de viver e de vida. A sua doutrina não dizia respeito à invenção própria, nem professavam algum ensinamento humano[6].

Os costumes do lugar e do estrangeiro

Os cristãos estando em cidades gregas e bárbaras, adaptavam-se aos costumes do lugar em relação à roupa, ao alimento, e testemunhavam um modo de vida social muito admirável[7]. Na continuidade da vivência dos cristãos na forma de sua descrição, eram percebidos como pessoas que participavam de tudo mas sabendo que um dia passarão desta terra. “Vivem na sua pátria, mas como forasteiros: participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira”[8]

A vida familiar

O seguimento a Jesus, como luz do mundo apontou também à vida familiar, de todo o fiel que segue o Senhor. As pessoas casavam-se como todas e geravam filhos, filhas, de modo que não abandonavam os recém-nascidos[9]. As autoridades romanas não aceitavam o abandono dos filhos nas praças. Muitos cristãos adotavam esses filhos e filhas para a convivência familiar, como forma de caridade. A carta também dizia que os cristãos estavam na carne, mas não viviam segundo a carne. Eles estavam na terra, mas carregavam a esperança de uma cidadania no céu[10].

As leis estabelecidas e as perseguições

A Carta a Diogneto tinha presentes que os cristãos obedeciam às leis estabelecidas, mas com os seus testemunhos ultrapassavam as leis. Eles amavam a todas as pessoas, e eram perseguidos, desconhecidos, mas sofriam condenações, eram mortos e tinham consciência de que eles receberão a vida. Eles eram pobres, mas enriqueciam a muitas pessoas, eram desprezados, mas eles tornavam-se glorificados, amaldiçoados, mas serão proclamados justos[11].

A importância da caridade

O Senhor colocou-nos como mandamento maior, o amor. “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento”. Esse é o maior e o primeiro mandamento!. Ora, o segundo lhe é semelhante: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos (Mt 22,37-40). São Leão Magno, bispo de Roma no século V teve presentes este mandamento aludindo à piedade e à caridade cristãs, em vista de ser verdade o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, e também à toda a humanidade, na qual nós temos em comum a natureza seja as pessoas amigas, seja as inimigas. O Bispo de Roma afirmou que o mesmo Criador que nos plasmou é o mesmo Redentor que nos deu a vida[12]

Jesus Cristo é a luz do mundo. Com Ele nós sigamos o caminho da verdade, da vida e do amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. A missão nos leva a viver a luz do Senhor no mundo de hoje, marcado por violências, mortes, guerras, mas nós carregamos a esperança de um mundo melhor, mais fraterno, mais humano na unidade com o Senhor Jesus e à Igreja.

[1] Cfr. Cfr. Ambrósio di Milano, Inno2,1-2;7-8. In: Ogni giorno con i Padri della Chiesa. Milano, Paoline, 1996, pg. 21.

[2] Cfr. Idem, pg. 21.

[3] Cfr. Ibidem.

[4] Cfr. Ibidem.

[5] Carta a Diogneto, 5,1. In: Padres Apologistas. São Paulo: Paulus, 1995, pg. 22.

[6] Cfr. Idem, 5,2-3,  pg. 22.

[7] Cfr. Ibidem, 5,4, pg. 22.

[8] Ibidem, 5,5, pgs. 22=23.

[9] Cfr. Ibidem5,6, pg. 23.

[10] Cfr. Ibidem5, 8-9, pg. 23.

[11] Cfr. Ibidem5, 10-14, pg. 23.

[12] Cfr. Leone Magno. Sermone 12,2. In: In: Ogni giorno con i Padri della Chiesa., pg. 31.

Fonte: https://cnbbn2.com.br/jesus-cristo-e-a-luz-do-mundo-nos-padres-da-igreja/

Audiência Geral com o Papa: da orquestra de jovens do México à indígena brasileira

Audiência Geral, 29 de janeiro de 2025 - Papa Francisco (Vatican News)

Cerca de 40 jovens mexicanos da orquestra “San Joselito Sánchez del Rio” tocaram para Francisco durante a Audiência Geral. Eles vêm de Nogales Sonora, na fronteira com os EUA, onde a pobreza e a violência constituem o “contexto natural” do local. A líder da etnia Tupinambá, Maria Inês Marques da Cunha, ativista das causas dos povos indígenas da Bahia, fundadora do Instituto Etno, também encontrou o Papa.

Fabrizio Peloni - Vatican News

“Somente a música poderia liberar a tensão acumulada enquanto esperavam para se apresentar na frente do Papa. Tocar juntos é a esperança deles!”. É assim que o Pe. Edgardo Gámez Urquijo, que se considera como um padre da fronteira, descreve o estado de espírito das 40 crianças e jovens mexicanos da orquestra San Joselito Sánchez del Rio na Audiência Geral desta quarta-feira (29/01), durante a qual tocaram para o Papa Francisco. O grupo musical nasceu há dois anos na paróquia de San José Sánchez del Río, em Nogales Sonora, uma cidade mexicana a dez minutos da fronteira com os Estados Unidos da América, onde a pobreza e a violência são frequentemente o “‘contexto natural’ no qual as crianças são forçadas a crescer”, explicou o padre.

A indígena brasileira Tupinambá e fundadora do Instituto Etno ao saudar o Pontífice  (Vatican Media)

Acrescentando, no entanto, que “nos últimos dois anos houve essa orquestra que para eles - jovens de 7 a 21 anos de idade - constitui a verdadeira esperança de escapar da desintegração e da adversidade social do contexto em que vivem. A maioria deles passa muito tempo sem os pais, por causa dos longos turnos nas fábricas, e por isso essas duas horas passadas tocando juntos todos os dias ajudam muito, incutindo esperança em suas almas, tão marcadas e feridas”. A esperança do padre é que a música possa “inspirar esses jovens a construir um mundo no qual a justiça e a solidariedade sejam os valores que servem à humanidade”. Para que todos os membros do conjunto pudessem viajar, uma campanha de arrecadação de fundos foi lançada nos últimos meses. E durante a Audiência Geral, o sonho dos jovens mexicanos de se apresentarem diante do Pontífice se tornou realidade.

Contar histórias da vida vivida

A presença na Audiência de uma delegação de Polizzi Generosa foi particularmente significativa. O pequeno vilarejo siciliano faz parte, junto com outras quatro pequenas cidades nos outros quatro continentes, do projeto Aldeas Scholas Films, a produtora de filmes de Scholas Occurrentes criada por iniciativa do Papa Francisco e do diretor Martin Scorsese, que está ligado ao centro das Montanhas Madonie pelas origens de seu avô, que emigrou para os Estados Unidos no início do século XX.

A ideia é contar histórias de vida vividas nessas pequenas cidades, disse Ezequiel Del Corral, coordenador do projeto, “literalmente colocando a câmera ou a filmadora nas mãos de quem mora lá. É uma maneira única de recuperar a identidade, voltando às raízes ao redescobrir as tradições e os dialetos de cada lugar. E tudo isso pode ser muito semelhante à situação de muitas pequenas comunidades espalhadas pelo mundo que correm o risco de acabar no anonimato”. As gravações na pequena cidade da Sicília começarão em fevereiro. Será feito um curta-metragem, que fará parte do filme em produção junto com os outros vilarejos selecionados. Em uma delas, a da Indonésia, o Papa Francisco também foi filmado durante sua viagem à Ásia e à Oceania em setembro do ano passado.

A líder Tupinambá, Maria Inês Marques da Cunha | Vatican Media.

A líder do povo indígena Tupinambá na Sala Paulo VI

Foi do país asiático que o franciscano Adri Sitepu veio apresentar ao Papa as atividades do grupo de jovens Vinea Dei, que arrecada fundos por meio da mídia social para construir novas igrejas. E pediu ao Papa que abençoasse o projeto da próxima igreja, a 200ª, a ser construída na Indonésia graças à iniciativa. Quem também fez uma longa viagem para encontrar Francisco foi a líder da etnia Tupinambá, Maria Inês Marques da Cunha, ativista das causas dos povos indígenas do estado brasileiro da Bahia, onde fundou o Instituto Etno - Centro de Educação, Cultura e Ações Socioambientais. Ela também é membro da Articulação Brasileira para a Economia de Francisco e Clara (Abefc), que persegue o “Pacto” dos jovens com o Pontífice, assinado em Assis em 2022.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

EDITORIAL: IA, uma ferramenta que não substitui a riqueza humana

Uma ferramenta que não substitui a riqueza do humano  (AFP or licensors)

Pontos-chave do novo documento sobre inteligência artificial dos Dicastérios para a Doutrina da Fé e para a Cultura.

Andréa Tornielli

A primeira coisa enganosa é o nome. O da chamada “Inteligência Artificial” é um desses casos em que o nome contou e conta muito na percepção comum do fenômeno. A Nota Antiqua et nova dos Dicastérios para a Doutrina da Fé e para a Cultura nos recorda antes de tudo, que a IA é uma ferramenta: executa tarefas, mas não pensa. Ela é incapaz de pensar. É, portanto, enganoso atribuir-lhe características humanas, porque é uma “máquina” que permanece confinada no âmbito lógico-matemático. Ou seja, não possui uma compreensão semântica da realidade, nem uma capacidade autenticamente intuitiva e criativa. Não é capaz de replicar o discernimento moral ou uma abertura desinteressada àquilo que é verdadeiro, bom e belo, para além de qualquer utilidade particular. Em suma, falta a ela tudo o que é verdadeira e profundamente humano.

A inteligência humana é de fato individual e social ao mesmo tempo, racional e ao mesmo tempo afetiva. Vive por meio de contínuas relações mediadas pela insubstituível corporeidade da pessoa. A IA deveria, portanto, ser usada somente como uma ferramenta complementar à inteligência humana, e não pretender substituir de alguma forma sua riqueza peculiar.

Não obstante o progresso da pesquisa e de suas possíveis aplicações, a IA continua sendo uma “máquina” que não tem responsabilidade moral, aquela responsabilidade, por outro lado, que recai sobre aquelas que a projetam e a usam. Por isso, destaca o novo documento, é importante que aqueles que tomam decisões com base na IA sejam considerados responsáveis pelas escolhas feitas e que seja possível prestar contas do uso desta ferramenta em todas as etapas do processo de tomada de decisão. Quer os fins como os meios utilizados nas aplicações da IA ​​devem ser avaliados para garantir que respeitem e promovam a dignidade humana e o bem comum: esta avaliação constitui um critério ético fundamental para discernir a legitimidade ou não do uso da inteligência artificial.

Outro critério para a avaliação moral da IA, sugere a Nota, diz respeito à sua capacidade de implementar a positividade das relações que o homem tem com o seu ambiente e com aquele natural, de promover uma construtiva interconexão dos indivíduos e das comunidades e exaltar uma responsabilidade partilhada pelo bem comum. Para atingir estes objetivos, é necessário ir além da mera acumulação de dados e conhecimentos, trabalhando para alcançar uma verdadeira “sabedoria do coração”, como sugere o Papa Francisco, para que o uso da inteligência artificial ajude o ser humano a tornar-se efetivamente melhor. .

Neste sentido, a Nota chama a atenção para qualquer subordinação à tecnologia, convidando a sua utilização não para substituir progressivamente o trabalho humano – fato que criaria novas formas de marginalização e de desigualdade social – mas sim como instrumento para melhorar a assistência e enriquecer os serviços e a qualidade das relações humanas. E também como auxílio na compreensão de fatos complexos e guia na busca da verdade. Por esse motivo, o combate às falsificações alimentadas pela IA não é um trabalho apenas para especialistas do setor, mas exige os esforços de todos.

É preciso também evitar que a inteligência artificial seja usada como uma forma de exploração ou para limitar a liberdade das pessoas, para beneficiar poucos às custas de muitos, ou como uma forma de controle social, reduzindo as pessoas a um conjunto de dados. E não é aceitável que no âmbito bélico seja confiado a uma máquina a escolha de tirar a vida de seres humanos: infelizmente, constatamos de quantas e quais devastações sejam responsáveis ​​as armas guiadas pela inteligência artificial, como tragicamente demonstrado no muitos conflitos em andamento.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

IGREJA: A fé, de fato, ilumina tudo com uma luz nova (II)

Fé e a Verdade: A Compreensão que Transforma (Catequizar)

Arquivo 30Giorni nº. 01 - 1998

«A fé, de fato, ilumina tudo com uma luz nova... e, portanto, orienta a inteligência para soluções plenamente humanas»

Um diálogo com o cardeal Pio Laghi, prefeito da Congregação para a Educação Católica.

Editado por Giovanni Cubeddu Um diálogo com o Cardeal Pio Laghi

Escola pública e privada 

30GIORNI: A questão da comparação entre escolas públicas e privadas acendeu a batalha política em nosso país. Ainda no passado dia 25 de Outubro, o Papa reafirmou as necessidades das escolas privadas, esperando que “serão prontamente implementadas disposições” para o reconhecimento dos seus direitos “a nível jurídico e financeiro”. Qual a sua opinião sobre o assunto? Quais são suas sugestões? No que diz respeito ao financiamento estatal das escolas privadas, que exemplos temos do exterior que você acredita serem aplicáveis ​​ao nosso país?

LAGHI: Acredito que falar sobre escolas privadas e escolas públicas não é uma forma totalmente correta de definir os termos do problema. Devemos, no entanto, falar mais propriamente de escolas públicas estatais e não estatais, pois mesmo as instituições de ensino não geridas pelo Estado oferecem um serviço público. As intervenções de João Paulo II partem precisamente desta base. As escolas não estatais, como as católicas, “prestam um serviço público aberto a todos os grupos sociais” (Conferência Eclesial de Palermo, 1995). Daí surge a necessidade de um sistema escolar integrado. O problema da igualdade deve então ser enquadrado no contexto mais amplo de uma aplicação real do princípio da liberdade de escolha educativa. Na verdade, é a família que tem o primado na educação. Esta primazia traduz-se concretamente na liberdade de escolher o percurso escolar que melhor corresponda à educação que se pretende ministrar e às crenças morais e religiosas. Em harmonia com o direito de escolha parental, desenvolve-se a visão moderna de liberdade de educação e de ensino, que faz do Estado não o educador, mas o garante do acesso e do direito à educação. A este respeito, gostaria de recordar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos , cujo quinquagésimo aniversário nos preparamos para celebrar, no artigo 26.º afirma claramente o direito dos pais de escolherem o tipo de educação a ser ministrada aos seus filhos e o dever dos Estados garantir o acesso à educação para todos e que pelo menos a educação básica seja gratuita. Ao nível da União Europeia, quase toda a legislação nacional implementa os princípios da Resolução do Parlamento Europeu de Março de 1984, que reconhece os direitos dos pais e dos alunos relativamente à escolha da escola (artigo 7.º) e a obrigação dos Estados-Membros de fazerem esta a escolha é possível, também do ponto de vista financeiro, sem qualquer discriminação dos gestores, das famílias e dos próprios alunos (art. 9º).

Não se trata, portanto, de reivindicar qualquer tratamento preferencial para as escolas católicas, mas de ver finalmente implementados os princípios da liberdade e da igualdade, entre outras coisas garantidas nos artigos 33 e 34 da Constituição italiana, que ainda não encontraram, em termos concretos, tradução adequada. Assim, não pode haver plena igualdade jurídica nas escolas não estatais sem uma verdadeira igualdade económica, que não só reconheça os direitos das famílias, mas torne possível o seu exercício.

Existem vários modelos na Europa e no mundo relativamente ao tipo de financiamento das escolas não estatais, não me cabe entrar em detalhes e, pessoalmente, não tenho preferências. Gostaria simplesmente de sublinhar que vários países, mesmo com antigas tradições seculares, como a França, a Bélgica e os Países Baixos, implementaram satisfatoriamente sistemas escolares integrados nos quais é garantida uma verdadeira igualdade jurídica e económica, no cumprimento do projeto educativo de cada escola. Tudo isto traduzido em números significa que para a França cerca de 20 por cento dos alunos matriculados em escolas católicas, enquanto nos Países Baixos mais de 70 por cento dos alunos frequentam escolas não estatais, na Bélgica a percentagem é de 65 por cento. Na Itália, porém, nos últimos três anos fecharam 115 escolas católicas e o número de alunos diminuiu mais de 50 mil. 

Educação católica 

30GIORNI : São conhecidas algumas intervenções recentes da sua Congregação visando a suspensão de alguns cursos de formação teológica em institutos inter-religiosos no México, porque estão muito próximos da Teologia da Libertação. Será este o único problema que mereceu medidas restritivas? Que outros erros a Congregação enfrenta? 

LAGHI: Sim, houve a suspensão de alguns centros teológicos no México. Mas é necessário compreender claramente as razões que levaram a Congregação para a Educação Católica a tomar tais medidas. Foram medidas que vieram com sofrimento. No caso específico, o motivo foi a observação da utilização da Teologia da Libertação num sentido radicalizado e sociologizado, contrário à valorização desta teologia, como emerge nos documentos emitidos pela Congregação para a Doutrina da Fé Libertatis nuntius Libertatis consciência. Não se tratava de suprimir os institutos, mas de corrigir uma linha educativa e doutrinal que não estava inteiramente em sintonia com o que o Concílio Vaticano II e os recentes documentos do Magistério fornecem em matéria de formação religiosa e sacerdotal. Num instituto de estudos teológicos não se pode dar espaço a uma formação que enfatize apenas as dimensões puramente terrenas da mensagem evangélica e corre o risco de formar assistentes sociais e não evangelizadores. Com esta concepção entra em crise a autêntica identidade da formação para a vida religiosa e sacerdotal. Daí a necessidade de intervir para sensibilizar os gestores para a necessidade de recentrar a ação formativa. Gostaria de acrescentar que qualquer intervenção nesta linha não deve ser considerada injusta ou desproporcional, especialmente tendo em conta a finalidade específica da formação dos candidatos à vida consagrada.

Evidentemente também existem outros perigos para os seminários. A Congregação tem promovido a visita canônica a seminários de quase todo o mundo. As deficiências encontradas tanto na Europa como na América e nos outros continentes não podem ser definidas como “erros”, mas sim como uma maior ou menor proximidade com os objetivos que a Igreja indica para a formação humana, espiritual, intelectual e pastoral dos candidatos ao sacerdócio. Por vezes há uma ênfase diferente entre as diversas dimensões da formação.

Nos seminários maiores, a introdução do “curso preparatório” assume particular importância, pois é um instrumento particularmente eficaz para preparar os seminaristas para ingressarem no seminário maior mais preparados espiritual e culturalmente.

Estamos convencidos também de que a formação dos candidatos ao sacerdócio depende muito da formação dos formadores. Por esta razão, a Congregação não só apoia iniciativas para a formação de formadores, mas também promove algumas diretamente.

30GIORNI : No caminho da formação sacerdotal utiliza-se agora também a psicologia, a “avaliação de aptidão” para a vocação. Podemos dizer que isto deu bons resultados?
Ele não acredita que o abandono do sacerdócio pelos jovens sacerdotes, precisamente nos primeiros anos após a ordenação, exija a recuperação - antes e além da psicologia - dos instrumentos essenciais da fidelidade cristã, como a oração e os sacramentos (em particular o da confissão, segundo todas as características da tradição que a Igreja estabeleceu dogmaticamente: por exemplo a confissão integral e sincera dos pecados mortais)?

LAGHI: Na verdade, este tema tem sido objeto de estudo da Congregação para a Educação Católica há muito tempo. Recentemente tornou-se mais relevante, especialmente nos países anglo-saxónicos, onde a utilização de testes psicológicos é obrigatória em quase todas as dioceses. Quando utilizadas corretamente e sempre com o livre consentimento do candidato, estas provas podem ser de grande ajuda no discernimento vocacional. Com efeito, em alguns casos parecem ser necessárias como, aliás, prevê a Ratio fundamentalis , n. 39. Infelizmente pode haver abusos nesta matéria, mesmo quando feitos com as melhores intenções. O valor dos testes psicológicos tem sido por vezes sobrestimado. Acredita-se, hoje, que dois aspectos devem ser equilibrados: manter o direito individual à privacidade (ver Cânon 220) e salvaguardar o bem da Igreja. Sim, alguns jovens sacerdotes deixam o ministério imediatamente após a ordenação, mas não exageremos. Mas não devemos esquecer que as razões para isso são geralmente baseadas na cultura predominante, que influencia profundamente o seu comportamento. A Igreja deve certamente tomar consciência desta situação e adaptar-lhe o caminho da formação sacerdotal. Certamente deve haver a devida atenção à formação espiritual dos futuros sacerdotes, à sua preparação para uma vida de oração numa relação totalmente pessoal com Jesus Cristo, e nesta relação os sacramentos têm um papel insubstituível. A necessidade de uma confissão regular e completa dos pecados tem sido facilmente ignorada nos últimos tempos. Não há dúvida de que um regresso a esta prática proporcionaria um serviço insubstituível aos seminaristas. Contudo, a formação sacerdotal tem muitos outros aspectos: humanos, intelectuais e pastorais. O Papa, em Pastores dabo vobis , é muito claro sobre a necessidade da união harmoniosa de todos estes elementos e, em particular, o Santo Padre coloca ênfase na necessidade de bases sólidas sobre as quais construir. É precisamente aqui que falta a cultura de hoje em comparação com a do passado. Como já dissemos, muitos jovens não estão suficientemente preparados para o que exige a vida no seminário. 

Fonte: https://www.30giorni.it/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF